22.10.2015 / Coisas bacanas
As mães que mudaram a lei em Brasília

A maternidade muda a vida de uma mulher. E aqui mudou – como eu brinco – ‘di cum força’. Primeiro, pela intensidade natural do que é ser mãe. A doação, a disponibilidade emocional, a força para levantar dez vezes à noite e acolher um bebê que quer colo, peito e carinho, a capacidade de transformação e necessidade de pensar primeiro naquele pequeno pacotinho de gente. Justiça seja feita, eu tive muita ajuda do meu marido, mas a carga física, emocional e hormonal é com a gente mesmo, não tem jeito… Segundo porque Mateus, meu filho, nasceu com alergia alimentar. Ele praticamente só chorou durante os três primeiros meses de vida e eu simplesmente não sabia o que fazer. Não havia resposta para as minhas perguntas nos livros de maternidade. E confesso que muitas vezes eu chorava com ele. O que acontecia, resumindo, era que nos poucos meses em que pude amamentá-lo, tudo que eu ingeria passava para ele pelo meu leite. E eu não tive a orientação de fazer a dieta de exclusão.

Mães ativistas do Põe no Rótulo, depois de reunião histórica e vitoriosa em Brasília

Mães ativistas do Põe no Rótulo, depois de reunião histórica e vitoriosa em Brasília

O tempo passou, o meu leite secou, a mamadeira com leite de soja precisou entrar em ação (eu também nem sabia o que era leite hidrolisado…), as cólicas foram diminuindo, os choros deram lugar para as gostosas risadas de bebê e o diagnóstico de alergia a três proteínas do leite foi confirmado. Naquele momento, eu descobri que não existia “alergia a lactose”. A alergia é à proteína do leite – e a intolerância é que é à lactose. Duas coisas completamente diferentes. E uma das coisas que eu pensava era: como comprar produtos industrializados, com tantas nuances desse mundo alérgico e de suas nomenclaturas? Pois bem: entrei para um grupo de mães de crianças com alergia alimentar nas redes sociais e descobri que, além de eu não estar sozinha nas muitas dúvidas, o buraco era beeeem mais embaixo: os rótulos dos alimentos industrializados, no Brasil, são muito incompletos e falhos. Ligar para os SACs (serviço de atendimento ao cliente) das empresas era ter três respostas diferentes em três dias distintos. Então um grupo formado por algumas dessas mães, espalhadas por todo o Brasil, tentou criar um movimento (SACoCheio), para mostrar como era difícil esse contato com os SACs – que, aliás, não funcionam no fim de semana, nem aceitam ligação de celular. Mas era preciso fazer algo mais: decidimos organizar uma campanha nacional, para fazer barulho em todo o país. Foi assim que nasceu, em fevereiro de 2014, o Põe no Rótulo. Aí está o motivo da minha segunda mudança.

O bichinho por essa militância me mordeu forte e eu me tornei uma das mães do Põe no Rótulo. Faço parte do time de mulheres especiais que usaram suas experiências profissionais para, juntas, tentar mudar uma situação muito difícil: rótulos com pouca ou nenhuma informação, com nomenclatura técnica. Afinal, o leigo não tem a obrigação de saber que, por exemplo, “caseína” ou “caseinato de sódio” significam leite; e “albumina” é a proteína do ovo, não é mesmo? Queríamos rótulos acessíveis, claros, democráticos, simples.

E lá fomos nós, driblando as dificuldades: as reuniões no Skype eram de madrugada, depois que os filhos e os maridos dormiam, pra tentar abreviar a distância entre Rio, São Paulo e Brasília e pensar nos textos do site ou nas estratégias de divulgação ou nos próximos passos a serem dados; o cuidado diário na manutenção da fanpage (o número de curtidores não parava de crescer!); as centenas de mensagens gravadas no WhatsApp para economizar ligações interurbanas quando a necessidade de falar era urgente… E todo, todo o esforço nestes 16 meses valeu muito a pena: em 24 de junho de 2015, em reunião histórica realizada em Brasília (e nós estávamos lá, com passagens pagas por mães de todo o Brasil), a Anvisa aprovou por unanimidade a proposta de regulamentação da rotulagem de alergênicos. Sim, mudamos uma lei!

As indústrias têm até fim de junho de 2016 para modificar os rótulos dos alimentos e de bebidas. Algumas estão mudando antes mesmo do prazo. E a Anvisa já frisou que as empresas que não se adequarem vão sofrer sanções. Estamos de olho! É uma questão de cidadania, de segurança alimentar, de responsabilidade social. A campanha foi motivada pela união, pela insistência, pela força de vontade, pelo amor. E eu, fazendo uma retrospectiva disso tudo, só consigo pensar o seguinte: obrigada por ter chegado, Mateus.

Karina Campo, de São Paulo, Mariana, do Rio, autora deste depoimento, Cecilia Cury, de São Paulo,  e Priscilla Tavares, Brasília, estão entre as coordenadoras da campanha

Karina Campo, de São Paulo, Mariana, do Rio, autora deste depoimento, Cecilia Cury, de São Paulo, e Priscilla Tavares, Brasília, estão entre as coordenadoras da campanha

Personalidades aderiram à causa com a hashtag #poenorotulo nas redes sociais

Personalidades aderiram à causa com a hashtag #poenorotulo nas redes sociais

Sobre a autora deste texto, especial para o Eu Vejo Beleza:
Mariana Claudino é jornalista, coautora do best seller ‘Almanaque Anos 80’, estudante de Nutrição, persistente e mãe de Mateus, de 6 anos.