25.10.2016 / Crônicas
Depois do hospital

Em três dias tudo mudou. Eu poderia ter morrido, mas não. Tudo teria realmente mudado muito, um vazio teria ficado. Entrando no meu quarto, veriam quantas coisas não precisamos ter. Mas algumas, essas sim, nos são caras e intangíveis. A mão que acaricia, o olhar que vê o filho crescendo ao amanhecer, o café com leite que amansa a alma, que a sua pele tem textura e temperatura – apesar dos defeitos que você põe, que estamos vivos!

Tantas coisas ficariam para trás, as supérfluas e as nem tanto, caso tudo tivesse dado errado. Mas era só apendicite, e, apesar dos meus temores de não voltar a ver o Gustavo e todos que eu amo, estou aqui. Foi rápido. Não dá para dizer que não doeu, pois os pontos na barriga ainda estão incomodando. Mas não foi nada, nada!

Quando a médica do plantão falou, depois da tomografia com contraste, que eu tinha poucas horas para a cirurgia, confesso que chorei. Sempre tive uma saúde de ferro, sempre comi muita beterraba e brócolis, e, ok, eu entendera tudo ali rapidinho. Não consegui me fazer de desentendida. Há muito não sou mais a mesma, não posso me enganar por ignorar os sinais do corpo e mente há um tempo. Me senti um bebê imaturo e indefeso, cadê a minha mãe?

Não estava com meu inseparável crucifixo para segurar e pensar o melhor. O Gustavo estava em casa, graças a Deus; Raphael estava ali ao meu lado; eu havia estado com a Paula, com a Duda; bebido com o Fabio na véspera. E mandei logo ligar para o Eduardo, o amigo médico, Marcia, que estaria lá na primeira hora, Esther e Rodrigo, minha pequena família. Repassei em cinco minutos partes burocráticas para caso eu morresse, pois sempre falei com muito orgulho a respeito da morte precoce do meu pai. Organizado, não nos deu trabalho, exceto o vazio enorme que até me fortaleceu depois. Pensamentos desconexos de quem acha que tem poucas horas.

Muitas frases podem não fazer sentido agora, que eu volto à vida. Recebi alta, sinto a brisa do vento em meu rosto. Olho as flores que recebi e admiro suas cores. Ouço Jack Johnson, vejo as plantas crescendo depois das pimentas mortas e cada detalhe do que tenho. Não são os objetivos em si, mas as histórias que eles trazem. O hospital é passado. A sensação do retorno da anestesia é angustiante. Deve ser o que vicia muitas pessoas em antidepressivos, pois quando você volta, não tem controle da situação. “Karla, você era a última pessoa no mundo que eu achei que fosse dar trabalho como paciente. Respira fundo e se acalma”, ouvi. “Eu não consigo, então vou dormir”. Nem tenho mais a fluidez de outros tempos, em que camuflava as pressões com meu otimismo. A realidade bateu. Então, vamos ao que interessa. Depressa. Ou seria devagar?

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Depois de alguns percalços, Karla Rondon Prado, eu, idealizadora do Eu Vejo Beleza, prometo dar nova vida a este site 🙂