19.05.2016 / Coisas bacanas
Sons de um trabalho de formiguinha

Tarde quente de um domingo de sol, após uma madrugada inteira de gravações em externa, sigo para a Rua Medeiros Pássaro, no Morro da Formiga, Tijuca, Rio de Janeiro. Lá, trabalharei como diretor de arte e diretor artístico da escola de samba Império da Tijuca em uma simpática e familiar comunidade, convidado pelo carnavalesco Severo Luzardo, figurinista da TV Globo e parceiro de vários trabalhos.

Comunidade de muitas crianças e pelas quais venho pensando muito! Lembro do meu filho pequeno, Miguel, com 5 anos, sua vida, suas brincadeiras, suas histórias e estórias, seu universo. Penso em tudo que meu filho pode desfrutar e não posso deixar de sentir e ver o que aquele mundo de meninos e meninas do Morro da Formiga não pode conhecer ainda.

Minha cabeça roda a mil por hora milhares de sensações e imagens. Sentimentos e desejos entram e saem em um turbilhão de ideias e de inquietudes. Algo deve ser feito para que aquelas crianças que cuidam de carros nos ensaios da escola de samba possam ter melhor sorte e maior aproveitamento do seu tempo. Devem ser afastadas imediatamente das ruas e tratadas como crianças!!! Brincar, estudar, sonhar, sonhar. Como fazer essas crianças sonharem? Música! A resposta é música. Levar a música para aqueles que do samba fazem, sem sentir, o Carnaval ser o maior espetáculo da Terra.

Levei a ideia ainda ansioso e logo ganhei parcerias. Não teríamos dinheiro, teríamos local e ponto final. Mas teríamos um bem muito mais precioso, as crianças.

Era o que queria: carta branca para criar a Orquestra Sinfônica da Formiga. Nascia assim um sonho, uma orquestra de flautas doces em que o som doce das flautas tiraria dezenas de crianças das ruas. Maravilha, com apoio conseguimos as flautas, porta-partituras. Com nossos parcos recursos, faríamos as camisetas e as merendas na chegada e, nas saídas das aulas, com nossos próprios recursos, teríamos um maestro. Sim, um maestro. Era um sonho que seria realidade.

Com diversas dificuldades, conseguimos reunir e convencer crianças e pais, amigos e comunidade, de que aquele ato mudaria vidas, ou pelo menos abriria espaço novo nos horizontes daqueles pequenos.

E assim aconteceu! Adesão total, aulas difíceis, mas produtivas, roupas, comidas, flautas, partituras, maestro, madrinha, aulas e finalmente a primeira audição com público. Em um centro cultural da própria Tijuca o grande dia chegou. Trajes de gala (emprestados), palco e cenário com direito a orador e tudo mais. Sucesso total! Festa total! Satisfação total! Emoção mais que total. A certeza de que quando se deseja o bem e quando se tem ação e boa vontade tudo, mas tudo, é realmente possível.

Plantamos diversas sementes, o projeto cresceu e tomou corpo e vida própria. As crianças cresceram e entenderam o poder da arte e o além-muros da vida, as diversas possibilidades de quem quer realizar e pensar em um futuro belo e real cheio de oportunidades para todos.

Felicidade e igualdade!

Agradeço ao meu pequeno filho, Miguel, que me inspirou a ter essa vontade de fazer diferente e a respeitar as belas crianças que, como ele, merecem ter seus sonhos sonhados e realizados.

DSC_2142 - Cópia

Música, maestro! Crianças sentem a doçura da vida através de flautas e partituras

orquestra

Sobre o autor deste texto e fotos, especial para Eu Vejo Beleza:

Tadeu Catharino é cenógrafo e diretor de arte. Diretor artístico da escola de samba Império da Tijuca, ele descobriu que, com música e boa vontade, tudo se ajeita.