07.03.2016 / Coisas bacanas
Projeto Girassol: tempo de florescer

Quando se é recém-formada em uma carreira sonhada e desejada, abraçada com todo o seu amor e dedicação com cinco anos de muito estudo e estágios para graduar, você acredita que pode conquistar o mundo! Mas com a Psicologia Clínica não é bem assim que funciona. Leva um bom tempo para amadurecer e florescer.

No início do ano 2000, após minha primeira pós-graduação, soube de um projeto pioneiro, chamado Girassol, organizado por um grupo de Psicólogos, que fazia atendimento psicológico gratuito dentro de escolas públicas na Zona Sul do Rio de Janeiro.

O interesse em me candidatar e participar foi imediato, mas não tinha tempo disponível para fazer os atendimentos voluntários e dedicar quatro a seis horas semanais incluindo encontros com a equipe e supervisão de casos clínicos. Meu trabalho, o início do consultório particular e os estudos psicanalíticos me ocupavam demais.

Há quem não acredite em desconstruções para transformações.

Como boa Psicanalista e yogui que sou, sempre acreditei.

Eis que exatamente uma década depois, minha vida pessoal se desconstrói como um castelo de areia levado pela onda do mar e, sem me avisar, dá um salto – sem ensaios e com emoção – de 180 graus.

Com dois filhotes pequenos para cuidar e uma bagagem que incluía análise pessoal, práticas diárias de yoga, muita meditação, uma sólida e amorosa rede de novos e fiéis amigos e um retorno difícil ao consultório de Psicanálise após um período sabático, o Projeto Girassol surge novamente no meu caminho. Dessa vez para ficar. De fato: em abril de 2011. entrei como Psicóloga voluntária e. em janeiro de 2014. assumi uma das cinco coordenações do Projeto, que é representar o Girassol junto à direção do CIEP onde fica nosso ambulatório principal, no Humaitá. Hoje, quase cinco anos após meu ingresso, além da coordenação, faço atendimentos individuais para crianças e adolescentes, realizo uma oficina de yoga, outra de meditação e uma terceira que faço em dupla, a de mosaico.

Praticar trabalho voluntário no Brasil não é nada fácil. Lidamos com emoção e trabalhamos com material humano, mas esbarramos em muitas burocracias, leis e impostos porque (sobre)vivemos de algumas doações financeiras dos parceiros e amigos do Girassol. Não temos apoio de empresas privadas, o que possibilitaria um maior número de crianças e adolescentes atendidos, porque é difícil captar recursos que valorizem trabalhos sociais, como os atendimentos psicológicos que realizamos.  Nós, os ‘Girassoles’ como carinhosamente nos chamamos, temos nossas vidas pessoais e profissionais fora do Projeto. Mas dedicamos algumas várias horas do nosso tempo a esses alunos que chegam com as mais diversas histórias de vida, nos ambulatórios das três escolas públicas em que estamos, que nos apoiam e nos recebem de braços abertos há 18 anos!

Ter meu caminho cruzado com o do Girassol – a flor que gira em busca de luz solar para sobreviver – foi uma das transformações mais significativas que vivi nos últimos anos e que me fez rever o belo em coisas simples que, ironicamente, não tinha tempo para valorizar.

Hoje, eu vejo beleza e delicadeza na Psicologia Clínica, minha carreira  desejada e planejada, como Sofia e Rafael, meus filhos queridos e amados. Eu vejo beleza nas possibilidades que o trabalho voluntário proporciona para quem faz e para quem recebe. Eu vejo beleza na união de todas as minhas escolhas profissionais e no plantio das sementes de oportunidades que dou aos meus alunos e aos meus pacientes. Eu vejo beleza em espalhar por onde passo virtudes como bondade amorosa, honestidade, determinação, paciência, tolerância e gratidão. Valores que aprendi ainda criança e sem os quais nada disso teria sido possível.

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Ana Claudia (com os alunos e com a camisa do projeto) diz que fazer trabalho voluntário no Brasil não é fácil

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Sobre a autora deste texto, especial para o Eu Vejo Beleza:

Ana Claudia Abrantes é mãe de dois, Psicóloga Clínica e Psicanalista (membro em formação pelo CPRJ), Psicóloga e Coordenadora do Projeto Girassol, Instrutora de Yoga, Pranaterapeuta, Mosaicista, blogueira de quatro fanpages e escritora de crônicas (ainda não publicadas) nas poucas e preciosas horas vagas.

Fotos de arquivo pessoal da autora.