14.01.2016 / Histórias Inspiradoras
Amor de cão

Ela sempre teve paixão por bichos. Desde pequena vivia atrás do pai, fazendo o mesmo pedido: “Me dá um cachorrinho?”. E nada. Tinha que se contentar com o vira-lata do caseiro de Petrópolis e os boxers da prima no sítio ao lado. Sua mãe detestava animais e o pai nem cogitava enfrentar a mulher para agradar aos filhos. Mas, com 17 anos, ganhou um filhote de cocker spaniel inglês do namorado, que entrou à força no apartamento em que morava, no Rio, já que ela e os irmãos ameaçaram se transformar em delinquentes se os pais os deixassem sem o cãozinho dourado.

Durante toda a sua vida, Beethoven – era esse o nome do cachorro – ouviu impropérios da dona da casa, que não se conformava com a presença do bicho e o culpava por todas as desgraças do mundo. Mas com sua fleuma de lord, ele nem ligava para as agressões e vivia feliz. Os três irmãos eram seus donos queridos, assim como a bondosa senhora que tinha sido babá de várias gerações da família e que o protegia com unhas, dentes e coração. Esse cachorro amado e fiel, que estava sempre com a moça em Petrópolis, morreu aos 16 anos e deixou uma saudade gigante.

Nesse tempo ao lado daquele amigo de ouro, ela cresceu e conheceu seu futuro marido, que um dia resgatou uma cocker spaniel abandonada, igualmente dourada, batizada de Penélope. A cadelinha, sua mais nova companheira de jornada, ia todo fim de semana para Petrópolis, junto com Beethoven: eles eram apaixonados pelo lugar. Carinhosa, agradecida e meiga como ela só, morreu com 15 anos. Impossível esquecer aquela doçura. Os dois animais foram enterrados no sítio, lado a lado, embaixo de uma árvore próxima à piscina, onde adoravam ficar.

Então resolveu que nunca mais teria um cão. Não queria sofrer tanto de novo. Para driblar seu amor pelos bichos, ajudava a cuidar dos cachorros e gatos dos outros. Um dia, foi até o apartamento de uma amiga que acolhe animais abandonados ou que sofreram maus tratos e saiu de lá com uma coisinha minúscula e branca. A ideia era levar ao médico, vacinar, hospedar por uns poucos dias e arranjar um dono para o filhote de maltês.

Só que de sua casa o animalzinho nunca mais saiu. Estar perto dela e de seu marido era só o que importava para o Bem, como foi chamado por seus pais adotivos. Ele era tão presente, amoroso e dedicado que enchia a casa de alegria – foi tudo o que ela precisava para encarar essa vida que muitas vezes parece sem sentido. Abrir a porta de casa e ver a festa do amigo, estar triste e dormir abraçada com ele, estar preocupada e se divertir com suas brincadeiras acarinhava o coração. Mas um dia o pequenino, que também amava Petrópolis, ficou doente. E morreu. Foram 12 anos de amor puro e simples, sem rancor ou cobrança.

Ela até hoje chora e guarda uma caixinha com suas cinzas, que ainda não teve coragem de espalhar pelo sítio. É cedo demais para pensar em adotar um outro ser tão precioso assim, mas uma certeza mora em seu peito: por mais que doa a perda de um bicho querido, que vive muito pouco em relação a nós, humanos, o que ele traz de bom é tão grande que todas as lágrimas valem a pena. Porque o valor de um animal de estimação não se mede. Eles são anjos de quatro patas.

cao anjo

Sobre a autora desse texto, especial para Eu Vejo Beleza:

Luciana Werner é jornalista, idealista e ama os cães acima de todas as coisas.

Imagem: reprodução de pintura folclórica americana