01.04.2016 / Histórias Inspiradoras
Conto de fadas para comer

Pão é tudo aquilo feito com farinha, água, sal e fermento (natural ou biológico). Se colocar algo além disso, já não é mais pão. A explicação tão simples e objetiva é de Marcos Cerutti, economista, ex-executivo premiado na área de finanças, que, há sete anos, ao saber que seria pai, fez aquela perguntinha mágica: “O que eu estou fazendo da minha vida?”. Questionamentos como “o que eu quero para meu filho?” vieram a seguir, com uma resposta: mais atitude e menos discurso. E mudou tudo.

S.p.A. Pane_Maestro Marcos Cerutti_crédito TomasRangel-01

O padeiro Marcos Cerutti trocou premiada carreira de executivo de finanças pela felicidade

A motivação veio embalada pelo projeto do primeiro posto ecossustentável do Brasil, o Posto Ipiranga da Ladeira Tabatinguera, na Lagoa, onde funciona a sua loja, a S.p.A. Pane, e, em cima, seu atelier, que produz cerca de 70kg de pão totalmente artesanal por dia. O projeto do posto, case de sucesso estudado na Universidade de Harvard, foi a gota d’água que faltava para o copo da vida anterior transbordar. Ele não encontrava identificação entre o projeto, que saiu do papel em 2008 e recebeu um investimento de R$ 1,5 milhão, e a política da padaria que atenderia o local, 100% química. “Não dava para manter aquilo e o discurso não corresponder à entrega. Botei na cabeça que tinha que descobrir como fazer um pão natural e sustentável. Eu tinha 35 anos e até então não havia entrado numa cozinha”, lembra.

Marcos foi atrás do maestro Antonio Vitale, a quem conheceu numa palestra na Estácio e que o iniciou na Maestria da Panificação, na Itália. Depois de aprender a fazer pão, disse que aprendeu a amá-lo na temporada em São Francisco, onde estudou na SFBI com o papa da fermentação natural, Michel Suas. “Antes do Vale do Silício ganhar força nos anos 90, na década de 80 o que salvou a economia local foram os produtos manufaturados (pães, cervejas, queijos e vinhos)”, conta. “Foi quando se criou amor e respeito à cultura do pão. Lá realmente me apaixonei, mergulhei. Um dia, o maestro Suas me viu limpando todo o laboratório e mandou me chamarem até sua sala. Ele disse que em anos de escola, não tinha visto um aluno fazendo aquela faxina. Olhou para mim e falou: ‘Você é o primeiro aluno que limpa o laboratório. Vai ser um grande padeiro’. E eu achando que ia levar uma bronca…”. Em março de 2014,  Marcos concluiu o Curso de Panificação avançada na King Arthur Flour Baking, em Vermont, EUA, outra grande referência mundial.

Hoje maestro da panificacão, prestes a fazer 42 anos, ele lembra o quanto foi preciso de dúvidas e angústias até se tornar uma das poucas pessoas do Brasil que dominam a técnica da fermentação natural. Seus pães sourdough (exclusividade do Da Roberta, a casa com cara de food truck da chef Roberta Sudbrack no Rio) e outros ‘pain au levain’ são feitos a partir de uma fermentação espontânea por lactobacilos e leveduras, no lugar do fermento químico. Sem nenhum tipo de conservante ou aditivo, com farinha italiana 100% natural. Mas esqueça rótulos, modismos ou qualquer coisa passageira ‘gourmet’. O padeiro afirma que a última coisa que quer é somente vender pão, por isso também não produz os do tipo roseta que o Papa Francisco comeu quando esteve no Rio, mesmo tendo autorização para usar o nome do Sumo Pontífice para vender. Tudo que Marcos não quer fazer com seus pães é comércio, e você sabe que é verdade ao conversar com ele – e ouvir também breves comentários de sua mulher, Juliana Estrela, parceira fundamental na realização desse sonho.

Quando resolveu enfrentar o desafio de fazer algo 100% novo, o maestro não pensou em riqueza, mas em felicidade. “Claro que se puder ser rico e feliz, ótimo. Mas acho que se for para escolher, acho que meu filho vai preferir ver um pai feliz. Cresci ouvindo o meu dizer que trabalhava para pagar as contas, sem nenhum prazer no que fazia”, conta. “É impossível nesse processo, em que só eu faço todos os pães, pensar em rentabilidade. O negócio é diferente. É uma alma encantar outras almas, mostrar que nem tudo é correria, que as coisas devem ser bem mais simples. Isso o pão me ensinou muito, que qualquer processo acontece aos poucos, precisa ser construído. O pão que começou a ser feito há dois dias e termina hoje, amanhã já é outro, completamente diferente”, ensina, numa clara metáfora entre pão e vida.

Ele explica que o nome ‘maestro’ vem de milhares de anos, quando acreditava-se que só pessoas de dom especial conseguiam fazer as coisas fermentadas. Era algo maestral, acima do comum. Com o tempo as receitas foram adquiridas pela sociedade e as novas gerações não têm mais o mesmo interesse pelo tema. “Hoje os jovens têm tanta informação, mas querem sempre consumir a próxima. Acho que a era da informação tem que virar a era do propósito. Dar propósito às informações que são consumidas, saber enxergar as possibilidades. Sempre defendi a inovação”, lembra Marcos. “Como eu digo, não quero vender pão. Quero vender conto de fadas. Assim como eu morria de medo de virar abóbora, como na história da ‘Cinderela’, deve ter muita gente muito infeliz ou tanto quanto eu era em diversas profissões. Um monte de talentos cheios de sonhos não realizados. Mudar não é fácil, mas é preciso. Muita gente é carregada pela vida, mas nós é que temos que carregá-la”.

S.p.A. Pane_Ciabatta_crédito Tomás Rangel

A ciabatta do maestro, de fermentação natural, no embalo da vida: o pão feito há dois dias não é o mesmo hoje, nem amanhã

S.P.A. Pane_Baguette_crédito Tomás Rangel

Baguette 100% natural, sem nenhum aditivo químico, é uma das maravilhas do S.p.A. Pane

Fotos Tomás Rangel