29.02.2016 / Histórias Inspiradoras
Doença de Gaucher: ‘Eu sou raro, mas sou feliz’

Milagres acontecem e são operados por pessoas. Não é preciso provar a afirmação. Basta conhecer a tocante história de Paulo Ricarte, o Paulinho de Tuntum, que, aos 25 anos, vivia à espera da morte anunciada por médicos na infância, até que uma coisa aparentemente corriqueira muda toda a sua vida.

Imagine-se portador de uma doença que ninguém sabe o que é. A angústia o sufoca, assim como entristece seus pais, amigos, a cidade inteira que acompanha sua luta desde o nascimento. Sua infância, adolescência e juventude foram marcadas por anos de tratamentos e longas internações. Um dia, você passa pelo salão de seu irmão, onde uma pessoa que nunca viu corta o cabelo. O homem observa seu estado frágil, raquítico, barriga muito grande, e quer saber o que tem. Você diz que não sabe e o interlocutor reage: “Acho que é a mesma situação da minha prima”. E a vida continua.

Passa-se um tempo e uma mulher sai da capital, no caso São Luís do Maranhão, e viaja 380 km adentro até Tuntum, no interior, à sua procura. Ela, que se chama Eva da Silva, não sabe nada sobre você, nem mesmo seu nome, mas sua persistência em encontrá-lo é tanta que consegue. A motivação de salvar uma vida é maior. Decidida, a moça chega à sua casa, ouve a sua história e o convida a ir para a cidade grande, de onde, 20 dias depois, você recebe o diagnóstico: tem uma doença rara chamada Gaucher. Não é só um caso de superação, que por si só já seria grandioso, mas dos personagens que o compõem: o homem que ouve e se sensibiliza com seu estado; a mulher que doa o próprio tempo e se mobiliza para ajudá-lo; você, com coração aberto e disposto a aceitar ajuda.

Hoje, 29 de fevereiro, Dia Internacional das Doenças Raras, quase nove anos depois do narrado, e de ter encontrado o tratamento certo, Ricarte usa sua condição para contar sua história pelo Brasil e conscientizar a respeito da doença que atinge apenas 900 pacientes em todo o país. “Eu sou uma pessoa feliz mesmo com a vida caótica que tive desde que nasci. Ainda muito criança, sempre retornava para casa com meus pais sem ter conclusão médica. Em 91, depois de dois anos de tratamento e de 66 dias internado, os médicos disseram para meus pais, na minha frente, que eu teria no máximo um ano de vida. Eu tinha 9 anos. Falei para eles: ‘Quem sabe da minha vida é Deus, ele pode ter um plano para mim’. Minha fé foi grande, eu tive que ignorar os médicos”, lembra Ricarte, hoje com 33 anos. “Meu corpo físico não acompanhava minha idade, nunca pude brincar na infância. Éramos uma família de baixa renda, somos nove irmãos. Mas sempre tive a solidariedade das pessoas. Os secretários de saúde da minha cidade e pessoas com condições financeiras nos ajudavam, amigos faziam sentinela ao lado da minha cama, eu não podia ir ao banheiro sozinho e tinha muita dificuldade para respirar. Hoje, levo uma vida normal graças ao tratamento de reposição enzimática, de 15 em 15 dias. Ao descobrir a doença e com o tratamento certo, em seis meses eu já pude recomeçar a viver”, conta, emocionado.

Ele lembra, rindo, que seu médico falou nunca ter visto uma pessoa se alegrar ao tomar conhecimento de uma doença. “Quando soube que os exames comprovaram Gaucher, fiquei muito feliz. Naquele momento chegou o que eu estava esperando. A doença é genética, mas Deus tomou uma providência. Eu não tinha pressa, apenas esperança. Não reclamo de nada, só agradeço a Deus e aos cientistas”.

Hoje voluntário da campanha de conscientização, Ricarte viaja, trabalha e se prepara financeiramente para se mudar para a capital, São Luís, e cursar a faculdade de Serviço Social. Ele se diz uma peça da publicidade e trabalha como voluntário por gratidão. “A partir da descoberta, passei a viver uma outra vida e contar uma outra história. Considero aquela pessoa que estava apenas de passagem pela minha cidade um super-herói. Foram cinco minutos de conversa que mudaram tudo para mim. Eu sou raro, mas sou feliz”.

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Na adolescência, ainda sem diagnóstico, com o baço e fígado aumentados e o resto do corpo raquítico

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Hoje, sentindo o sabor da independência: “Cada viagem é uma aventura”

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Ricarte sempre em campanha, no hemocentro: cada reposição enzimática leva duas horas

 

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Entrevistas para rádios, TVs e palestras fazem parte da rotina do paciente

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Hoje com a doença rara sob controle, ele é uma das peças da campanha de conscientização #pensegaucher