30.11.2015 / Histórias Inspiradoras
Em Israel, nascendo outra vez

Fiz 33 anos e resolvi viajar para a Terra Santa. Era um projeto antigo, que acabou se realizando, talvez por pura sincronicidade, graças ao convite de uma amiga querida, para visitá-la em Tel Aviv. A gente ressuscita um pouco todo dia, para se livrar do amargo da língua, “das misérias do cotidiano”, como está no poema ‘O Amor’, de Vladimir Maiakovski. Mas entrar em contato com a origem do mundo é outra história, é como mergulhar no fundo de si mesmo. E eu mergulhei.

Depois de passar por todo tipo de interrogatório na imigração – eles querem saber nos mínimos detalhes quem você é e qual é o propósito da sua viagem -, sorri o tempo todo e dei as respostas que queriam de modo profissional, só não disse que queria nascer de novo, me sentir vivo, em paz, depois de tanto luto acumulado. Uma hora se passou e, quando as portas para Israel se abriram, lá estava Sabrina, me esperando.

Com Champanhe. Não era a bebida ainda, mas um vizinho dela judeu muito engraçado. Ele falava inglês, para minha sorte, e era acumulador de objetos. Sem medo, entrei em seu carro, coloquei a mala em cima de cabeças de boneca, sacos plásticos, hélices de ventilador e outros cacarecos que tinha naquele banco traseiro.

Quando arrancou o carro, tocava ‘Everybody Wants To Rule The World’, do Tears For Fears. Enquanto eu observava as placas escritas em árabe e hebraico, a caminho de Ramat Gam, sentia-me dentro de um filme. A partir dali, ainda antes de chegar a Jerusalém, chorar muito com as mãos encostadas no Muro das Lamentações, pisar os pés descalços nas pedras de três mil anos e boiar por minutos sobre o Mar Morto e cruzar o deserto, eu vi beleza.

Olhei para a imensidão do mundo e pensei: “É tão difícil, tão fácil, de repente, ser uma coisa tão grande, da maior importância”. Os versos de Caetano Veloso diminuíram o abismo entre a insustentável leveza de ser e “do querer que há, e do que não há em mim”. Ressuscitei três anos depois da morte da minha mãe.

Guilherme no Mar Morto: viagem a Israel o fez se recuperar da morte da mãe

Guilherme no Mar Morto: viagem a Israel o fez se recuperar da morte da mãe

No Muro das Lamentações:

No Muro das Lamentações, choro e a constatação importante da imensidão do mundo

Sobre o autor desse texto, especial para o Eu Vejo Beleza:

Guilherme Scarpa é jornalista, risonho, e dificilmente algo o tira do sério.

Fotos de arquivo pessoal