04.11.2015 / Histórias Inspiradoras
Em paz com o caos

Estou em um relacionamento sério com o caos. Isso, o caos. Eu me via com poderes de Mulher Maravilha: guerreirona, sem babá, campeã da maratona maternidade-trabalho. Só que perdi as forças três meses atrás, quando minha filha caçula nasceu. A casa parecia ter virado de ponta-cabeça. Quase surtei. Até que achei uma boa receita: rir das próprias derrotas e assumir essa relação caótica com a vida.

Gabriele e os filhos, Majú e Bernardo: a Mulher Maravilha pensa que não, mas dá conta

Gabriele e os filhos, Majú e Bernardo: a Mulher Maravilha pensa que não, mas dá conta

Sempre planejei tudo, inclusive os dois filhos. Descobri, porém, que nem tudo seria como previsto. Bernardo, o mais velho, precisaria operar o intestino quando nascesse. Na sala de parto, outro susto: síndrome de Down. Caos? De jeito nenhum. Eu teria que dar conta de uma penca de compromissos – fono, natação, exames preventivos, escola (regular) e muito estímulo. Tirei de letra. Encaixei as atividades de manhã, antes de eu seguir para o trabalho, e ainda encontrei tempo para me engajar na luta pelos direitos das pessoas com deficiência. Uma rotina cansativa e gratificante. Uma vida normal.

Tão normal que nos empolgamos. Maria Júlia nasceu quando Bernardo completou 2 aninhos. Achei que a recuperação pós-parto seria tranquila. Errei. Achei que cuidar de dois seria fácil (“Sou experiente, sou a Mulher Maravilha”). Errei feião. Achei que ele estaria andando. Não está. Some isso ao fato de Majú ter sofrido com refluxo e cólicas, além de suspeita de alergia à proteína do leite. Ela berrava tanto que até Bernardão-paz-e-amor às vezes se estressava. O pai sempre ajudando a segurar a onda. E eu? Morria de medo de ficar sozinha com os dois. “Como dar o banho, o almoço e levá-lo para as atividades?”. “E se ele, levadíssimo, cair do sofá enquanto eu estiver amamentando?”. Piração total.

Não dava para continuar naquele chororô – meu e dela. “Vai melhorar, vai passar” era o mantra. Relaxei. Admiti os erros logísticos, assumi as minhas fraquezas e pedi ajuda – empregada três vezes por semana; família auxiliando bastante. Entendi que nem sempre vou poder fazer tudo do jeito que gostaria. Meu pai sempre diz que o pior inimigo do bom é o ótimo. Então vamos no bom mesmo, no que é viável.

E foi assim que comecei a curtir o caos. Tem lá seu charme. Ele me ensina a fazer tudo com calma e a não entrar em pânico quando todo o planejamento vai por água abaixo. Segredo? Sempre antecipar o cronograma, prevendo as pequenas tragédias da maternidade: choro incessante, fralda vazando, etc.

Coincidência ou não, tudo foi se acertando. A pequena parou de ter cólicas, tem chorado menos e dorme a noite toda. Aos poucos, estou recuperando as forças. Fico sozinha com eles numa boa, voltei a acompanhar as aulas de natação, com a Majú a tiracolo. Antes de a licença-maternidade terminar, espero ser de novo a rainha da logística, a Mulher Maravilha – de preferência sem barriga flácida. #sonho.

Ok, confesso: ainda há momentos em que dá vontade de sair correndo (risos). Quando o estresse ameaça, abraço muito os pequenos. E lembro dos 19 dias em que Bernardo ficou na UTI, ao nascer. Ou daqueles outros 12 dias internado com bronquiolite, aos dez meses. Minha vida era sair da redação tarde da noite – em plena cobertura da Copa do Mundo – e dormir com ele no hospital; o pai em Curitiba, trabalhando. Daquele caos, sim, eu quero distância.

Gabi com os filhos, Bernardo e Maju: a jornalista está aprendendo com o caos a manter a calma

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Jornalista, Gabriele Lomba é editora do GloboEsporte.com, voluntária do Movimento Down e não consegue imaginar sua vida sem os filhos, Bernardo e Maria Júlia.