09.03.2016 / Histórias Inspiradoras
‘Eu vi a cara da morte e ela estava viva’

Em outubro do ano passado, uma provável infecção urinária me fez dar entrada no Copa D’Or, onde passei 55 dias entre a vida e a morte. Uma hora eram os rins que insistiam em  falhar, e meu corpo era ligado ao aparelho de hemodiálise, para que suas funções fossem mantidas. Fui entubado, o que não foi tarefa fácil, e logo ganhei uma pneumonia dupla. Uma septicemia se espalhou pelo meu corpo, por muito pouco não tive falência múltipla dos órgãos. Cada dia era como se fosse uma loteria.

Quem estava cuidando de mim nunca conseguia imaginar de que lado cairia o dado, se no da vida ou no da morte. Passei este longo período em coma induzido. A impressão que eu tinha era a de que um paciente nestas condições simplesmente apagava, deixava de existir. Eu não. Tive experiências lisérgicas estimuladas pela quantidade de drogas a que me submeteram por conta dos diversos tratamentos. Algumas viagens foram fascinantes. Outras, bem assustadoras. Prefiro não falar sobre o que vi e vivi ou deixei de ver. Talvez em um outro papo, com outro foco.

Mas algo que posso afirmar veementemente é que tal experiência me deixou muito mais tolerante, de modo geral, com as crenças. Sejam elas quais forem. Não posso negar que a religiosidade das pessoas, assim como a força que me passaram, parecem ter me ajudado de forma decisiva em minha recuperação.

De certa forma, conseguia captar alguns momentos de realidade quando, por algum motivo, me traziam de volta à realidade da consciência. Fui um paciente meio revoltado em determinados momentos, daqueles que arrancam tubos do nariz, mas na maior parte do tempo, me comportei com disciplina, pois meu desejo maior era deixar aquela cama de hospital.

Foi com calma e disciplina que recebi a notícia de que teria que operar o coração, trocar a válvula mitral, atacada e destruída por uma superbactéria hospitalar. Isso foi no dia 3 de novembro. Escolhi o tipo de válvula da minha preferência e fui para a sala de cirurgia sorrindo e dando adeus para quem estava comigo na sala de espera.

Felizmente, a cirurgia foi um sucesso e no dia 10 de novembro (dia do meu aniversário) pude fazer uma foto comemorativa. Os dias seguintes foram de luta incessante. Após tantos dias deitado, era necessário reaprender a sentar, ficar de pé e, principalmente, andar. Tive que reaprender a comer também, pois passei grande parte da internação à base de alimentação venosa. Por conta de uma traqueostomia, passei mais de um mês sem falar no hospital!

É, não foi nada fácil.

Em suma, tive que fazer um intensivo para voltar a ser o que eu era antes. Passei por diversas UTIs do hospital, vários médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas. Na fase final, estava no quarto particular quando me foi dada a alta hospitalar, vinte dias antes do Natal. Ia poder passar as festas em casa, meu grande sonho.

Hoje, já voltei ao trabalho. Felizmente, não ficou sequela alguma, mas continuo fazendo acompanhamento com um cardiologista, afinal, o coração é um músculo que sente. E sensível como ele só, vai precisar de um acompanhamento mais aprofundado nessa retomada.

arte psicodélica

Experiência de Hippertt entre a vida e a morte foi acompanhada por viagens lisérgicas provocadas pelo coma induzido

hippertt no hospital

Depois de um mês apagado,  Hippertt foi ‘acordado’ no dia de seu aniversário, em 10 de novembro

hippertt nei lima

O diretor de arte em sua fase atual, entre Biratan Porto, cartunista do Pará, e o ilustrador e colega de trabalho Nei Lima

Sobre o autor deste texto, especial para Eu Vejo Beleza:

André Hippertt é caricaturista premiado nacional e internacionalmente, diretor de arte, maratonista e está sempre de bem com a vida.

Ilustração: reprodução de obra de Acid-Flo

Fotos de Ângelo Hippertt e arquivo pessoal