27.10.2015 / Histórias Inspiradoras
Três histórias de meninos e de esperanças

MÃOS DADAS

A mãe lavava roupas para fora (e passava a ferro também) e o menino a ajudava, levando à casa da cliente (chamava-se freguesa) a trouxa bem amarrada com as peças limpas e bem engomadas, e recolhendo as sujas.

Sempre parava um pouco diante do campo de futebol para apreciar o jogo dos amigos, e um dia uma bolada enlameou o lençol branquinho que envolvia as roupas. Entregou a encomenda à freguesa usando o truque de esconder o lado manchado, mas a mulher virou o bolo de panos, bateu os olhos na sujeira e perguntou:

– O que foi isto?

Arregalou os olhos. Batia o queixo. Só pensava na mãe, que perderia aquele trabalho e ainda ficaria com fama de lavadeira descuidada, quando a mulher o tirou do inferno:

– A trouxa deve ter escorregado de sua cabeça, não foi?

– Foi – gaguejou.

– Tem nada não. Isso acontece – ela disse, entregando as peças sujas e o dinheiro que ele levaria para casa.

Fez o caminho de volta desenhando nas pedras novos sonhos, feliz e agradecido, de mãos dadas com Deus.

 

SORRISOS

Na recepção do hospital, duas menininhas – entre seis e sete anos – em tratamento contra o câncer.

Estão sentadas lado a lado. Uma está inteiramente careca, a outra ainda tem uns fiozinhos.

A que já não os possui alisa a cabeça da outra, dedos delicados entre os fiapos, misto de admiração e ternura.

Elas sorriem.

Aquelas menininhas sorriem.

 

CÉU E INFERNO

O menino que acompanhava a mãe ao hospital na capital tremeu dos pés à cabeça quando o médico disse:

– Flebite. É grave. Se não operar, ela pode morrer.

A bolsa de sangue arroxeada, que se formava na perna cheia de varizes da mãe, começava logo acima do joelho e ia até a coxa.

O médico disse mais:

– Só que no momento não há vagas. Procurem outro hospital, urgente.

– Não moramos aqui. Viemos do interior – o menino disse.

O médico pediu que esperassem e se afastou por uns minutos que pareceram a eternidade.

– Resolvido. Vamos interná-la e operá-la ainda hoje.

O menino sentiu, mais cedo do que deveria, como o inferno e o céu podem estar próximos um do outro.

Ilustração Lea Bah

Luís Pimentel é jornalista e escritor. Esses textos fazem parte do livro (inédito) ‘Relembranças – Contos, causos e confissões’

Ilustração Lea Bah