22.12.2015 / Histórias Inspiradoras
A beleza está no espelho

Saí de Petrópolis numa manhã muito fria, com cara de chuva. No táxi, em direção à rodoviária, deixei escapar minha tristeza com problemas que tive por lá, e até algumas lágrimas. O motorista era bom ouvinte, e eu, falante contumaz. Cheguei ao Bingen ávida por pular dentro do ônibus e reencontrar minha casa. “Em meia-hora sai o próximo”, frase da bilheteira da Útil, que me deixou mais ansiosa.

Passagem comprada, resolvo dar uma volta do lado de fora. Havia um verde esmaecido pelos últimos dias de mau tempo. Mas também havia flores, tristonhas como eu. E uma senhora magrinha, de vestido de malha azul, chinelos e casaquinho de linha marrom. Na Cidade das Hortênsias, ela olhava as flores e murmurava. Às vezes, dava uns sorrisinhos engraçados. E se abaixava para ajeitar uma e outra, que teimavam em tombar. Resolvi me aproximar. E, antes de dizer bom dia a ela, ouvi: “Quando a gente pensa que está tudo errado, que o mundo está perdido, que nada tem mais graça…É só olhar as flores! A senhora não acha?”. “Por favor, não me chame de senhora… Sou Simone…”.  “Bonito nome. Mas é senhora, sim! Da sua vida, do que faz, do que vai fazer para espantar essa tristeza que tô vendo no seu rosto…”. “Qual é o seu nome?”, perguntei. “Aurora. E já tenho 88 anos! Tenho oito netos, dezessete bisnetos… Mas marido já não tenho. Ele deixou de ser dono da vida dele, há 22 anos. Foi em paz, como um colibri que beija a flor e bate as asas”. “A senhora vem sempre aqui ver as flores?”. “Desde que teve um desmoronamento que acabou com meu jardim, minhas árvores… Agora, moro com uma das netas. Minha família veio pra cá há uns 200 anos, sabe? E meu avô me ensinou a cuidar do jardim, podar no tempo certo… Sabia que as hortênsias não podem ser plantadas com adubo?”. “Não…”. “É que esquenta o solo. Elas gostam de um friozinho (risos) Mas não desse, fora de época. As hortênsias são a minha paixão!”. “Eu reparei. A senhora estava até conversando com elas…”. (risos) “A senhora reparou? É curiosa, né? Quando falo com as florzinhas, daqui, lá do centro da cidade, do jardim do Palácio, onde elas estiverem, a resposta vem de dentro de mim. Porque eu não sou caduca, não! Flor não fala. Mas entende tudinho. E murcha antes da hora, quando fica triste. Fica bonita quando a gente fala coisas bonitas pra ela. Minha mãe dizia que a beleza está no espelho…”. “No espelho?”. “É. Se a gente olha formosura, é formosura que a gente vê. E essas hortênsias são uma lindeza! Digo isso sempre pra elas. Falo pra minha neta e pros bisnetos: o importante é se sentir bem na vida que Deus nos dá. E ouvir o que outros têm de bom pra nos dizer. O que não presta, entra por aqui e sai por aqui (apontando as orelhas). A senhora não acha?”. Começa a chover. “Acho. Nossa, dona Aurora… Não sabe como me fez bem falar com a senhora. Agora, tenho que ir. Vou pro Rio. Adorei conhecê-la! Fica com Deus”. “Leva Ele com a senhora também. Boa viagem”.

Vou me dirigindo ao portão para entrar na rodoviária, com a chuva já forte. Dou um olhar para trás, vejo aquela velhinha tão sábia abrir o guarda-chuva e… cobrir algumas hortênsias, que estavam perdendo as pétalas e meio desabadas. E essa ‘senhora’ aqui sentiu que poderia ser muito melhor do que imaginava, menos preocupada com bobagens, conseguindo ver beleza no espelho da alma.

hortensias

Sobre a autora deste texto, especial para Eu Vejo Beleza:

Simone Magalhães é jornalista, acredita no amor e que pessoas boas existem.