03.02.2016 / Histórias Inspiradoras
‘Nossa primavera fez chover’

Escrevo agora quase uma semana depois do nosso primeiro “Primavera das Mulheres: Um Show-Manifesto”. Acho que a ficha está caindo devagar. Há uns meses, mais precisamente em novembro de 2015, eu estava em uma fase bem ruim. Tinha terminado uma grande turnê e entrava naquele hiato angustiante na vida de qualquer artista. Cumpria as demandas da casa, dos meus três filhos, da rotina às vezes pesada da nossa vida de mulher. E quando digo nossa, digo nossa mesmo, porque aqui em casa, no caso, somos eu e minha esposa, as duas cansadas, as duas brigando por espaço no mercado, as duas preocupadas em explicar o mundo para três crianças pequenas. E, de duas, nos vi milhares… em um grupo virtual de mães, milhares de mulheres dividiam angústias que eu reconhecia tanto… E às angústias do dia a dia, se somaram catástrofes como a de Mariana, decisões de Eduardo Cunha atacando diretamente os direitos das mulheres e das famílias homoafetivas, como é o caso da minha, além de violência, preconceito, discriminação e morte. A esperança andava bem encolhida nesses dias, dando lugar a uma tristeza espalhada e constante.

Mas, no meio disso tudo, um movimento começou a me surpreender. Vi minhas companheiras de lida e inquietações colocando a cara nas redes e nas ruas. Não se conformando, não aceitando. Li os primeiros assédios das amigas, lembrei dos meus. Vi a rua se encher de mulheres e bebês que gritavam “Legaliza! É pela Vida das Mulheres” e me engajei contra o estatuto da família que tornaria uma família como a minha ilegal, por exemplo, para abraçar com minhas crias nosso espaço na sociedade… E tive um sonho.

Sonhei que estava no palco, cheia de mulheres em volta, e que fazíamos um show político, um show feminista. Um show que fosse do micro ao macro. Que estivesse ali as nossas noites insones para cuidar de um bebê e a nossa revolta, nosso grito contra o racismo, contra a homofobia, contra a transfobia, contra o machismo. Porque maternidade é uma escolha e é um ato político.

Acordei e sabia quem eram essas mulheres. Eram essas mesmas companheiras mães com quem eu dividia as tais noites insones. Anunciei em um post a ideia. Não levou cinco minutos para dezenas de artistas estarem interessadas na proposta. No fim das contas, reunimos 28 musicistas, cantoras e atrizes em cena, além de 12 mulheres na equipe fazendo cenário, figurino, iluminação, produção, registro em vídeo, fotografia… É muito poder! Em pouco mais de um mês, montamos um show. A nós, se juntaram outras, não mães, não mulher, como é o caso do maravilhoso Oliver, trans não binário. E o show cresceu. E a chuva veio. E está regando minha esperança que meses atrás adormecia.

E agora tento estar bem acordada para enxergar os próximos passos. O show é de todas nós. O que ia acontecer um só dia, 28 de janeiro, esgotou a bilheteria em 24 horas e abriu mais uma data, 4 de fevereiro. E queremos abrir mais. E queremos fazer na rua. E queremos que outras mulheres nos escutem, que outras mulheres cantem conosco, que componham suas canções, que toquem, que gritem. “Porque ninguém vai nos calar”.

CREDITO_BEL_JUNQUEIRA

“Primavera das Mulheres: um show para que as mulheres não se calem

IMG_3849

Laura Castro: “Queremos que outras mulheres nos escutem”

Sobre a autora deste texto, especial para Eu Vejo Beleza:

Laura Castro é atriz, cantora, roteirista, produtora cultural e mãe. De 3. Desde o nascimento de seus filhos que sua produção se tornou engajada nas lutas pelos direitos das chamadas “minorias”. Seu trabalho recente de maior relevância foi o espetáculo ‘Aos Nossos Filhos’, no qual assina a dramaturgia (indicada ao Prêmio APCA) e atua ao lado da atriz Maria de Medeiros. O texto, sobre as famílias homoafetivas, tem inspiração em sua história de vida. Laura adaptou o mesmo para o cinema, com supervisão de Cacá Diegues. A filmagem está prevista para novembro deste ano, com Marieta Severo como protagonista. Como cantora, Laura participou recentemente da turnê de ‘Pássaros Eternos’, disco autoral de Maria de Medeiros, em Madri, Córdoba, Rio de Janeiro e São Paulo.