20.10.2015 / Coisas bacanas
Uma cozinha com pureza e alma

O chef Pedro Siqueira parece ter pureza de alma. Fala abertamente sobre preços, sobre reaproveitar alimentos para criar o seu Menu Convidativo, sobre abaixar a cabeça para a avó ao contar uma técnica nova que aprendeu e ouvir dela que aquilo existe há muitas décadas. E é exatamente isso que confere a dita alma a sua proposta no restaurante Puro.

Moelinha de pato:com "raio gourmetizador" em foto de Alexsander Landau / divulgação

Moelinha de pato com “raio gourmetizador” em foto de Alexsander Landau / divulgação

São três as palavras-chave para entender o conceito do lugar que, aberto há sete meses, já tem freguesia cativa no Jardim Botânico: sustentabilidade, pequenos produtores e família.

Podemos começar com pequenos produtores. São deles a maior parte dos produtos que garante frescor ao cardápio da casa. É muito simples: vindo de um produtor próximo, o ingrediente sofre menos e chega à cozinha com qualidade maior. Isso quer dizer que o restaurante só compra produtos feitos a um raio de X quilômetros de distância, como em redes ‘puras’ consagradas como a internacional Pret a Manger? “Eu tinha essa ideia de raio, mas não se consegue que seja 100% dessa forma. Digo que fazemos o máximo possível dentro desse conceito”, explica Pedro, também um dos sócios (junto com Marcela Médici, a jornalista Sonia Bridi e os atores Regiane Alves e Rafael Cardoso).

A ricota que é servida no Puro, por exemplo, é produzida de manhã todos os dias por um carioca. E a chamada “cozinha de mercado”, outro mote do chef? “É o estilo que investe em trabalhar com o produto no melhor momento dele. O que tem no mercado hoje? Não tem como trabalhar com morango em janeiro, mas no inverno ele tem melhor sabor. O camarão era R$ 120 o quilo, agora está sendo vendido por R$ 70. E por aí vai. Como agora quem manda sou eu, tenho autonomia para mexer no cardápio e posso oferecer novidade todo dia”, conta ele, que passou pelas cozinhas do Caesar Park e do Fasano e estagiou num três estrelas Michelin, em Paris. “Lá é muito diferente. Não conversam na cozinha. A exigência, a competitividade e o profissionalismo são outros”, lista, dizendo que de 40 estudantes de gastronomia, apenas um vinga, pois é uma carreira penosa. “A faculdade custa R$ 1.500 e você começa ganhando bem menos como ajudante de cozinha”, explica. “Tem que ter paciência e investir na carreira”.

Autoditada e com 16 anos de fogão, Pedro cita um outro pilar do Puro: a família. Com ela, aprendeu um pouco do que já fazem os franceses, a cultura de se alimentar bem. Paulista, com influências gaúcha, italiana e francesa, ele costumava passar três meses por ano na fazenda do avô agrônomo. Dessa convivência, trouxe para o cardápio itens como farofa de cuca e matambre (capa de costela), que faz sem recheio e com a mesma técnica de paleta de cordeiro. “É cozinha de verdade”, gaba-se o chef, que não esconde sua predileção por um dos pratos que menos saem no menu: a chuleta, tipicamente gaúcha. Mas, como ele mesmo brinca, o “raio gourmetizador” apresenta suas versões de canjiquinha e moela. “Quando vim morar no Rio, há uns dez anos, comia muito as moelas dos botequins. Ao abrir meu restaurante, pensei: tenho que servir isso, mas vou fazer diferente. Daí bolei a moela de pato”, conta. “Liguei para o produtor que me entregava pato e perguntei: ‘Quanto é a moela?’ Ele disse que tinha que ver, pois ninguém nunca tinha pensando nisso. ‘Então me dá!’, pedi, e ele acabou me vendendo a R$ 5 o quilo”, ri, feliz com o preço.

Pedro, 37 anos, é assim, meio garoto no que diz respeito às conquistas. E fala sem melindres sobre a sustentabilidade, o terceiro e último item que compõe o Puro, como listei lá em cima. “Meu irmão tem uma empresa de arquitetura sustentável e me ajudou na obra. Nosso piso é de bambu, as luzes são de Led, nossa louça é de cerâmica, por isso não há uma igual à outra”. Entrega sem censura qual é a matéria prima do Menu Convidativo, vendido a R$ 42 (entrada, prato e sobremesa): as sobras – frescas! “É onde a nossa sustentabilidade é mais forte. Por exemplo, as aparas do matambre podem ser aproveitadas para um ragu de costela; de 12 kg de peixe, só aproveito 4kg no meu prato principal, logo o restante vira tartare ou raspa de peixe de um fetuccini. Todo domingo, ao criar o cardápio volante, Pedro pensa nisso tudo. “É o meu dever de casa”.

Restaurante sustentável e ambiente tranquilo em foto de Rodrigo Castro

Restaurante sustentável e ambiente tranquilo em foto de Rodrigo Castro

Filé de costela com raspa de manteiga pura: origem familiar

Filé de costela com raspa de manteiga pura: origem familiar