27.02.2016 / Histórias Inspiradoras
Herança de mim

Quando acordamos para a nossa história, descobrimos que parte dela faz parte do DNA que carregamos; das tristezas e angústias herdadas de sua mãe; do humor ácido e maldosamente divertido do seu pai; da generosidade e acolhimento ao outro da sua avó; do amor pelos bichos do seu tio. E assim vamos, sem perceber, sendo parte de todos que nos fazem parte.

Com o tempo, vamos ficando mais parecidos com todos eles, mesmo que no fundo sejamos nós mesmos. Quantas vezes alguém fala que você é a cara da sua mãe e você diz com todas as letras: EU? Pois é, você se parece com a sua mãe, na aparência e, se deixar, nos piores defeitos, naqueles que você sempre suportou pelo simples motivo de não poder mandar a sua mãe pastar, catar batatas ou algo pior.

Toda herança genética, aquela que o médico coloca na ficha quando você vai fazer um checkup – a probabilidade do câncer, da insuficiência cardíaca, da diabetes, ou todas as outras -, não são tão temerosas quando a de ser uma pessoa triste, sem perspectiva, sem amor à vida.

Tive um câncer em 2014 sem nenhum diagnóstico de câncer na família, convivo bravamente com a sua ausência mês a mês, mas a minha maior batalha foi encontrar beleza na vida, na luz do dia, algo que não havia em minha mãe. E como diz Miriam, minha grande sábia amiga “presta atenção, pois somos cópia de nossas mães”.  E assim, fui buscar um caminho diferente para achar amor à vida, sem perder o meu DNA. Hoje, quando olho para o tempo, para o que vivi, às vezes triste, penso que o DNA fala mais alto, mas acredito que podemos dar um duplo carpado e mudar o caminho, a história.  Assim sigo.

Hoje, após uns meses de perdas diversas, acordo animada para espremer minhas duas laranjas, que a tia deixa (com amor e cuidado) em cima da mesa, coloco meus mantras, músicas sacras ou algo parecido no meu som, pego minha misturinha de comida para pássaros, abro o portão e atravesso a rua. Olho em volta, envio beijos para o céu, na direção da tamarineira, do flamboyant, e entro na praça. Rolinhas, viuvinhas, canários, curiós e pombos (claro), começam a revoar, acompanham meus passos, se postam por perto à espera da iguaria que lhes dedico todos os dias pela manhã.

Herança de vovó, que fazia migalhas do miolo de pão do café da manhã e, de dentro do avental, distribuía a saborosa comida aos pássaros no nosso quintal. Herança que passou para o tio-querido, que se foi em dezembro último. Herança que herdei com amor, com DNA do ser feliz, do acreditar que podemos ser pássaro – livres e cantantes por aí. Passarim de mim para o meu DNA seguinte (Diego). E sigamos a cantar por aí.

foto (18)

Captura de Tela 2016-02-27 às 09.36.35

Captura de Tela 2016-02-27 às 09.24.48

Sobre a autora desse texto, especial para Eu Vejo Beleza:

Silvana Cardoso Espírito Santo é assessora de comunicação, vitoriosa e nada superficial.

Fotos Silvana Cardoso Espírito Santo e Leo Aversa.

Gostou? Leia outras histórias:

Adeus, zona de conforto. De moto

A vida dá a mão a quem está aberto a ganhar

Como começou o movimento Primavera das Mulheres