28.06.2015 / Crônicas
Aí eu disse, aí ela disse…

Responsável pela lanchonete da academia, ele começou a contar em detalhes sua receita de bolo de fubá com raspas de limão siciliano e açúcar mascavo e como fez sucesso sua receita diferente e incrementada. De costas para o balcão, agora fazia outra coisa na batedeira e não ouviu quando a moça chamou. Ela esperou com muita paciência, pois não queria gritar, e ele continuava ali, absorto em suas ideias.

Esperou uns seis minutos entre um som mais leve do aparelho e outro e tentou em tom mais alto, num intervalo: “Oi, ei, está pensando na vida?”. O rapaz virou com um sorriso: “Desculpe, eu estava falando com Marcelo.” Ela sorriu: “Tudo bem, sem problemas, não estou com pressa”. Olhando curiosa para dentro da copa, não viu ninguém. “Quem é Marcelo?”, perguntou. “Ah, é o meu amigo imaginário. Você sabe que meu avô tinha um, vivia conversando com ele, e eu achava que meu avô era doido, morria de vergonha. E não é que hoje isso acontece comigo?” “Legal, acho lúdico.

Crianças costumam ter, adulto eu não tinha visto. Mas pelo menos você não fica sozinho, né?”
Engraçado, foi a terceira vez na mesma semana que ouvi uma história sobre o assunto. Então, achei tudo normal. Uma amiga chegou dias antes com a notícia: “Agora minha sobrinha tem uma amiga imaginária. Tem nome e sobrenome, Sara Jane, dito em inglês, com sotaque, Sara Jeine. É Sara Jane fala baixo, Sara Jane não senta aí, Sara Jane vem aqui… Só quer saber dela”. “E aí, como vocês reagem?” “Ah, isso é comum. Sabia que os espíritas dizem que é uma pessoa de verdade?” “Poxa, não entendo disso, mas será?” Na véspera, outra amiga revelou que o filho tinha um cachorro imaginário, e que às vezes chegava a latir para se comunicar com o cãozinho de estimação.

Um amigo inventado não me assusta. Existe em contos, filmes e nas melhores famílias. Pelo que li curiosa, estudos de psicologia indicam que dois terços das crianças têm os seus, principalmente as com idade entre 5 e 7 anos, e que isso é supersaudável, ajuda a desenvolver a linguagem e a criatividade, por isso não deve ser censurado.

Outra coisa bacana, vi numa reportagem antiga da ‘Superinteressante’, é que o amigo inventado funciona como treino para diálogos reais na vida adulta, como quando você simplesmente treina para pedir um aumento ao chefe. Quando a pessoa percebe que a forma de dizer altera a resposta, já sabe o caminho das pedras para ter um desejo satisfeito. E como eu não pensei nisso antes?!