18.06.2015 / Crônicas
Aprendendo a olhar

Eu tinha acabado de ler a notícia sobre uma inglesa detida nos Emirados
Árabes. Ela bebeu demais e, segundo o taxista, teve relações sexuais com um
turista no banco de trás do carro. A moça negava a acusação, mas seu
passaporte foi apreendido e ela corria o risco de ficar três anos presa.
Comecei a discursar sobre a posição da mulher no mundo islâmico e falei que
jamais iria para o Oriente Médio. Tocou o telefone. Era um convite
profissional para conhecer o Catar, naquela região. Pensei: ainda bem que
opinião existe para a gente mudar.

Menos de uma semana depois, lá estava eu embarcando para a cidade de Doha, a
fim de descobrir o que o país mais poluidor do mundo estava fazendo para ficar
“limpo”, resultado que vai ser apresentado a partir desta semana na Rio+20.
Mas, muito mais que entrar e sair de conferências, um aspecto em especial
chamou a minha atenção: olhar as mulheres usando burca, cobertas de preto da
cabeça aos pés, algumas com os rostos completamente tapados, assim como as
mãos, num calor de 49 graus. Em um mercado ao ar livre, à noite, observá-las
passando em grupo me incomodou, parecia uma seita, uma condição claustrofóbica
que, com a pressão do calor, me deixou oprimida, triste.

Dias depois, pude enxergá-las, e não apenas vê-las sob o olhar da nossa
cultura. Nas mesas dos restaurantes, nos banheiros dos shoppings, nas lojas…
eu as encarava com a mesma curiosidade que elas, de dentro de suas burcas, me
achavam vulgar com minhas roupas ocidentais — ou pelo menos me senti assim. Vi
que os saltos de seus sapatos eram os mais altos e finos possíveis, os olhos
carregados de maquiagem, as bolsas coloridas de grifes e, entre uma burca e
outra, calças estampadas e justas se manifestavam, blusas de oncinha se
insinuavam e algumas tinham mangas rendadas ou bordadas. As adolescentes
carregam celulares com capinhas decoradas, as pessoas têm vida social.

Radicais somos nós ao julgar tudo. Humildemente, me despi de preconceito para
entender que, ao contrário de mim, elas se sentiam bem assim. Um olhar meio
Marisa, de mulher pra mulher, bastou para que nos uníssemos acima de religião
ou geografia. O machismo ainda é dominante, mas, quando me perdi, e sabendo
que não deveria pedir informações a outra mulher, foi a uma que recorri. Ela
olhou para o marido, me olhou e me deu informações, mostrando que o mundo
mudou. É como eu costumo dizer: se para umas coisas é ruim que o tempo passe, para
outras é ótimo.