24.06.2015 / Crônicas
Arrumação

Arrumar não é jogar no lixo. As pessoas confundem as coisas: “Ah, vamos arrumar. Vamos dar essa mesa pé palito dos anos 50, vamos pegar esse livro de arte sobre mar – afinal, eu odeio mar – e esse chapéu de plumas verdes que foi da vovó e jogar tudo fora”. Agora, anda. Feng shui! Essa casa está precisando de energia fluindo. Vamos logo, vamos logo.

Ei, como assim? Não é assim. As coisas têm uma história. Está certo, não vamos virar personagens do programa “Os Acumuladores”, que eu nao sei por que eu acabo vendo no canal a cabo, mas vamos ter memória. E memória. Assim de novo, de propósito, porque há de se ter memória para coisas boas e ruins.

Tem coisas que realmente você não pode se desfazer assim. Eu posso dar aquele vestido lindo vermelho leve e esvoaçante para você, do tempo que eu era mais magra, mas espera. Eu vou dar porque eu quero dar. Ele para mim tem uma história e eu quero que ela se perpetue. Por isso eu vou te dar. Imagino que você vá guarda-lo para uma data especial e neste dia, quando tudo acontecer como nos melhores filmes, voce vai lembrar que fui eu que te dei. Como eu vou lembrar que foi você que me deu aqueles bonequinhos , aquele casal. “Eu estava com ele na Itália, vimos um artesão. Olha o narigão dele. Olha a bundinha dela, sente só”, você me diz, acariciando a madeira, já que a catarata impede sua visao. Isso tudo tem história. Calma. Vamos por partes.

Organizar as coisas e saber o que cada uma vale para você é o primeiro passo para de fato progredir. Eu não quero dar lição como a moral da história dos desenhos do “He-Man”, mas é importante ponderar. Um dia você é tudo para uma pessoa e no outro, nada. Quem nunca passou por isso? Ela resolveu arrumar a vida dela e jogar tudo fora. Um dia, somos o produto novo na vitrine; no outro, somos as cartas dos ex-namorados. E aí, como fazer? Jogar no lixo ou guardar? Ler e jogar? Ler e guardar? Damos muito valor ao que se pode tocar, quando devia ser diferente. Ler, memorizar e jogar fora? Talvez.

Pedro quebou o saleiro de Graça. “Meu amor, não sei como falar, mas quebrei seu saleiro”. Graça comovida: “Não tem problema, é das Americanas”. Pedro inconsolável: “ Desculpe, fiquei preocupado, achei que fosse de Portugal.Sei lá, você vive trazendo coisas de viagens”.

Não importa de onde você trouxe e, sim, o que aquele bem representa para você. Por as coisas no devido lugar, por a cabeca em ordem. Aceitar descartar. Aceitar ser descartado. Faz parte. Na feira de objetos antigos, você se pega, como na vida, vendo um milhão e desejando um só: “Eu quero esse broche pra mim. De que ano ele é?” Cada coisa tem seu preço.