19.06.2015 / Crônicas
Civilidade até a página 2

Já se vão 20 anos desde que o cineasta Joel Schumacher lançou ‘Um Dia de Fúria’, com Michael Douglas. O nome em português virou expressão. O original, ‘Falling Down’, exprime a decadência de um homem, que em seu limite resolve deixar de lado a boa vontade com tudo que atrapalha seu caminho e que está errado, e sai atirando em geral. Não dá para negar, sem querer incitar a violência, que em alguns dias é preciso uma dose ‘extralarge’ de paciência para poder lidar com tudo o que está fora da ordem, cada vez mais, na rotina do nosso Rio de Janeiro.

Para manter a educação, você respira mil vezes, engole sapos e deixa pra lá. “Ah, deixa pra lá, ele é grosso mesmo!”, ou “Deixa pra lá! Ela é superficial e não vai entender…” Nessa coleção de “deixa pra lá”, o saco da nossa boa vontade vai enchendo e é duro manter a sanidade, o equilíbrio, o savoir-faire (aquela expressão perfeita do francês que define a pessoa que sabe como lidar com qualquer situação sem perder o prumo). Nossa civilidade vai até a página 2.

A ‘sem-noçãozice’ está cada vez mais agravada pela sociedade do egoísmo. Perdeu-se o tato, a ciência de que o seu limite acaba quando começa o do outro, a definição de quem somos no tempo e no espaço. E aí a gente se cala, se fecha, ou sai atirando em geral, o que também não vai resolver. E os problemas começam em pequenas ocorrências, como o motorista de ônibus que não para no ponto, a trocadora que reclama de ter que dar troco, o taxista que quer fazer um caminho em ziguezague para não ficar parado no trânsito, a atendente do restaurante a quilo que, por uma preguiça atroz, pede para marcar os oito cafés da mesa numa comanda só. “Posso?” “Não, não pode. Cada um vai pagar sua própria conta”. Todos estão sempre contando com a sua boa vontade, sem querer ceder um milímetro. “Ah, cede você?!” (charminho). Cedo não…

Um amigo estava questionando o porquê de qualquer caixa de farmácia, supermercado, banco  nunca estar prestando atenção em você e no serviço que está prestando. Estão sempre, invariavelmente, conversando com o colega do lado, te entregam o produto sem olhar para a sua cara, num total desprezo pelo consumidor que está pagando e pelo que faz. Falta de apreço ímpar. O pedreiro da obra ao lado, além de quebrar a parede por tempo fora do normal, resolve passar a ouvir música-lixo no último volume. Combate-se com música de qualidade alta. “Ei, posso abaixar? Temo estar incomodando os outros vizinhos”. “Não, não pode abaixar. Cansei de ser incomodada”. Só um dia de furiazinha, vai?!