19.06.2015 / Crônicas
Das coisas analógicas

Gosto de deixar a primeira folha em branco e pular a página, para não poluir a primeira visão. E, assim, começar a escrever esta coluna com lápis e papel num caderno sem pauta. Lápis 6B, que detesto letras fracas e de pontas finas, assim como pessoa que não aperta direito a mão quando cumprimenta e também aquela que desvia o olhar quando confrontada.

Gosto dos sonhadores, dos que adoram ver o bem vencer o mal, no final, ainda que isso seja só num conto infantil ou em fábulas que conhecemos desde pequenos. Em algumas histórias, o bem vencer o mal não precisa ser ingênuo — em geral não é. Tem sempre o lado trágico antes, o clímax que nos leva à sensação de que tudo vai dar errado, a Gata Borralheira que perde o sapatinho e se desfaz com sua carruagem que vira abóbora (mas o sapatinho fica), o Lobo Mau, a Bruxa Má, os vilões no caminho. Até esse ápice da história, até o Patinho Feio virar cisne, a situação é tensa e ainda não se sabe como termina, só há a torcida. São impostos vários sofrimentos até o alívio da justiça, do final feliz, do beijo que sela o amor entre a princesa e o príncipe. Até entendermos por que o vilão Darth Vader foi para o lado negro da Força (‘Guerra nas Estrelas’), tem chão. E ainda assim há reviravoltas surpreendentes, com a bondade prevalecendo.

Dar tempo ao tempo.

Tudo se esclarece, tudo se justifica aos mais atentos, a quem se destina a entender. Mas pensar sem parar por muitas vezes dificulta as ações, abrir os olhos demais pode fazer buscar a cegueira, refletir não é fácil. Sabiamente, Clarice Lispector escreveu: “Não se preocupe em entender, viver ultrapassa todo o entendimento”. É a fórmula ideal, a mais branda, o calmante dos alienados. Às vezes, a ignorância faz superar qualquer dor. Melhor não saber, melhor não dar valor a este texto, melhor não se preocupar em compreender e simplesmente viver. À sombra da alienação. Assim, quem sabe, poderemos ser mais felizes e menos exigentes.