16.10.2015 / Crônicas
De executiva a eu mesma

Saí sem banho. Meu compromisso era cedo e eu não precisava estar impecável no trabalho. Tomei banho ontem à noite, sou daquelas pessoas que engrossam as estatísticas de desperdício de água e tomo no mínimo dois banhos por dia. Adoro banho, mas tem horas que simplesmente na realidade não teríamos tempo para priorizar isso. Fique tranquilo. Embora eu tenha consciência ecológica, não virarei uma porquinha agora.

Mas lembro a sensação de liberdade que tive uma vez numa viagem à Grécia. Sozinha. Dormi e perdi a hora. O navio já atracado no porto da ilha, todos já tinham descido, era uma caminhada grande até a cidade. Vi a hora e pensei, a contragosto: vou ter que ir sem banho! Só tinha aquele dia, o embarque de volta ao navio era às 16h e era ou banho, ou explorar a ilha grega. O país era um sonho antigo, terra da minha avó materna, e eu não tinha outra escolha, até porque não levo só 5 minutos no banho.

A sensação de liberdade que senti em Rhodes, caminhando sem atraso e sem ter lavado o cabelo, repetiu-se hoje, no Centro do Rio. Depois do burocrata exame demissional, resolvi botar o papo em dia com esse pedaço da cidade que amo tanto. No mínimo me renderia boas fotos para o meu Instagram @euvejobeleza. Segui pela Rua da Assembleia e avistei o Palácio Tiradentes. Muito trânsito, o sinal fechado para mim e notei vários turistas fazendo fotos. Eu não estava em Roma. E sim na minha cidade. Olhei a cena por uns dez minutos e vi o quanto o Rio virou um destino turístico de verdade. Atravessei a rua e avistei a Igreja de São José, onde, há cinco anos, admiti o desejo de ser mãe. Entrei. Estava tendo uma missa comunitária, ri sozinha lembrando do bullying no trabalho com minha fé. Resolvi participar da missa. Olhei para São José, pensei “Deus é pai”, e chorei. Esta é minha fé. E respeito todas.

Saí dali e não tinha horário. Segunda-feira. Há tanto tempo eu não caminhava por aqui sem horário. Entrei no Paço Imperial e resolvi almoçar no bistrô. O prato foi exatamente o mesmo que eu pedia nos anos 90. Adoro português, mas não concordo com a regra “anos 1990”. Década 1990 é a explicação. Discordo. 1990 para mim é um ano só. Até porque acho que eu vinha aqui desde 1995. Enfim, não sei ao certo. Hoje estou livre de regras. Não quero editar nada. Passou. Não serei a executiva que largou tudo para abrir uma pousada na praia. Gostaria muito, mas essa não sou eu. Eu só quero parar um pouco, sentar aqui no chão do Paço e escrever para você, meu leitor declarado, Rodrigo ou Isra, colegas de trabalho ou não, senhorinha do interior de Pernambuco que me manda os textos que escreve para avaliação.

Hoje sou Karla, filha do Fernando e da Cida. Mãe do Gustavo, mulher do Raphael, irmã da Esther Helena, tia do Rodrigo, ex-mulher do Cal, amiga da Luciana, da Renata, da Chris, da Marcia, da Kamille. E que teve um melhor amigo chamado Adilson.