19.06.2015 / Crônicas
O olhar virgem

A primeira vez que você vai à casa de alguém, quando observa cada objeto, imagina cada história que ele tem, descobre os gostos, o estilo, o olhar. É uma sensação parecida de quando se via álbuns de fotos de outras pessoas, quando elas voltavam de viagem. Se eram boas fotógrafas, logo descobria-se muito mais do que o que estava ali estampado no 10×15. Você viajava além. Com atenção, assim como na fotografia de um modo geral, era possível até se apaixonar por uma pessoa através de seus ângulos. “Que olhar!”

O olhar do novo, a descoberta da novidade. É covardia ter o não-descoberto, o não-visto, como concorrência. Quando você olha que naquele canto da sua casa bate luz e você só viu porque aconteceu algo que o fez acordar mais cedo. Uma luz diferente, pegando num galho de planta que: 1) não existia até ontem; 2) está iluminado e tem tons de que está nascendo. Fica até mais bonito que a flor que vem sei lá quando, pois a flor espera-se ver frondosa, o galho, não.

Seu olhar cruzou com outro olhar. Não apenas cruzou, mas parou. Como quando você comenta: “Eu o vi de relance, tenho certeza que ele me viu também. Sim, foi rápido, mas certeza eu tenho, é que não deu para falar, mas o olhar bateu, sim, ele me viu”. Nem era com relação a um interesse, mas ao fato isolado de um ter visto o outro. A simples informação do olhar. “Eu vi fulano, tenho certeza que era ele. Estava de óculos/ mais gordo/ mais magro/ de barba/ cortou o cabelo… Mas era ele, sim”.

Quando seu olhar cruzou com outro olhar com interesse. Você olhou e viu. Olhou e foi visto. Olhou e quis olhar mais. Desejou permanecer ali desvendando o que aquele olhar quer dizer, se ele sorri, se questiona, se brilha mais que o normal. Se o cabelo é perfumado, se a pele é macia, fria, quente, o que ele tem a dizer. Nada vence o novo. Não lembro agora se já escrevi isso antes, mas falo sempre. Você nunca vai ter a oportunidade de olhar para alguém pela primeira vez uma segunda vez.

O novo não é passível de ensaio, não dá para forjar. Foi o que foi, gostou se gostou, viu se prestou atenção, sentiu se a natureza mandou, vibrou se a vibração existiu, foi único quando era para ser. E passou. A partir daí virão outros olhares, desejos e sensações. E se o seu olhar bateu com o de outrem com interesse, bateu. É como um copo quebrado. A vida continua e não temos os olhos vendados, nem podemos vendar quem desejamos. Qual novidade vence o novo? É irretocável pois vem ao acaso. Novidade só pode ser novidade de verdade.