24.06.2015 / Crônicas
Ouvir o silêncio

Luiza foi pega de surpresa. “Tia Lulu, faz o barulho da girafa pra mim?”. Sentiu-se desafiada e perdida, pois nunca havia parado para pensar sobre isso. E agora? Qual o som da girafa? Inventou qualquer barulho na hora para evitar que a menina descobrisse que, diferente do que pensava, tia Lulu não sabia tudo. Depois foi procurar no Google e descobriu que o animal não tem voz, mas, mesmo silencioso, pode emitir alguns gemidos mais graves.

Começou a pensar no quanto costuma falar muito e na importância do silêncio. Uma vez ouviu: “O silêncio é de ouro”. Mas raramente sabia ficar calada. Se fosse impedida pela natureza como a girafa, como seria? Será que aprenderia a ouvir e a não falar demais na hora errada? Tem uma certeza: enquanto alguém está falando, finge ouvir, aproveitando o tempo para pensar na resposta. Esse é um dos maiores problemas do entendimento hoje: se ficássemos mais quietos, aprenderíamos mais, teríamos mais certezas.

O silêncio pode dizer muitas coisas e às vezes custamos a ouvi-lo. Nem sempre escutar é fácil. Vindo de bicicleta pela orla de Copacabana, tive que atravessar o túnel e as pistas na saída dele até a enseada de Botafogo. Para não atropelar uns pedestres num pedaço bem fino do canteiro central, esbarrei numa árvore e quase caí, cruzei a pista e alcancei a ciclovia. Fiquei admirando o Pão de Açúcar, interagindo com a cidade como pede nosso título de Patrimônio da Humanidade, depois tive que andar por uma rua cheia de ônibus para chegar ao meu destino. Em casa, todo aquele barulho ainda estava na minha cabeça e resolvi me jogar no sofá. Passado um tempo, a cabeça começou a esvaziar, como se fosse formada por vários compartimentos, e um a um foi ficando sem som. Como mágica, ouvi o silêncio pela primeira vez.

Nunca esqueci uma frase da poesia ‘Uma didática da invenção’, de Manoel de Barros: “Não tem altura o silêncio das pedras”. Porque de tão mudo passa a ser alto e ensurdecedor. A função do silêncio é nos fazer refletir. Muitas vezes, ao darmos conselhos para os outros, costumamos dizer: não responde, não fala nada. Porque instintivamente sabemos que o melhor é ficar quieto. Quantas vezes caímos nas mesmas provocações? Já nos fazem a pergunta sabendo qual vai ser a resposta. Não falando nada, deixamos o outro sem memória. Ele vai ter que procurar as próprias respostas e não se alimentar da sua reação. O silêncio é a ausência.