18.06.2015 / Crônicas
Para o amor de Carnaval durar

‘Deixa-me encantar, com tudo teu, e revelar, lalaiá…’, o trecho do samba ‘Das Maravilhas do Mar, Fez-se o Esplendor de Uma Noite’ (da Portela, de 1981), embalou muitos dos meus carnavais e eu berrava no auge da música: ‘A luz raiou pra clarear a poesia / Num sentimento que desperta na folia (Amor, amor)!!!’ Tinha um clima de romantismo no ar, de sedução, de suingue, que me fazia até sambar, coisa que até hoje não sei. Olho para os blocos que embalam as multidões neste Carnaval e fico nostálgica: onde esta sedução se perdeu? Com exceção dos que ainda não foram ‘descobertos’ pela grande massa, não vejo clima, não vejo flerte.

“Flerte?!!” Perguntaram-me os amigos num almoço. E eu: “É, ué, flerte”. “Que flerte?” “Ué, gente, flerte, a palavra flerte, paquera, azaração”. Todos riram. “Se você escrever ‘flerte’ você vai entregar a idade”. Só que flerte é uma palavra bem mais antiga do que eu, e é por isso que a escolhi como tema do meu Carnaval. Sinto falta do flerte. E acho que essa galera está perdendo isso. Meu tempo não passou há tanto tempo assim, mas até hoje aprecio o mistério nas relações. Claro, Carnaval é “beijar na boca e ser feliz” (quer frase mais cafona?), mas, na minha época, quando você encontrava uma boca que gostava de beijar, queria parar nela. Se o beijo é bom, e não é todo mundo que sabe beijar bem, por que sair por aí contabilizando os beijos em dezenas? Não gosto da ideia.

Fora que quando você beija alguém depois de trocar meia dúzia de olhares, esse beijo vem bem mais quente, com muito mais paixão do que uma pegação do tipo “olha como eu sou gostoso/gostosa”. Hoje em dia você pegar alguém e sair por aí mostrando o quanto você sabe das coisas é até lugar comum. Todo mundo já sabe de tudo. As mocinhas do ‘Big Brother’ estão aí para provar. E todo mundo quer ser sensual. Basta ver os ensaios eróticos dos sites e revistas: todas sabem botar o dedinho na boca, fazer uma pose XYZ, mostrar sem mostrar. Um amigo meu disse: “Não aguento mais ver calcinha, caras e bocas”. Faz sentido. Além disso, as curvas das modelos são todas photoshopadas. Ninguém tem nem nuance na pele, textura.

Para mim o Carnaval que vem podia ser diferente deste que está passando. Ter mais olho no olho, beijo com vontade, mulher e homem de verdade. Passar o ano olhando, desejando aquela pessoa, para no Carnaval vestir a fantasia. E o romance ter gosto de samba de raiz, como canta Beth Carvalho: “Sem pressa, sem medo de errar. É tão bonito o nosso amor…”