19.06.2015 / Crônicas
Pode vir

Pode entrar, a casa é sua, mas aqui as regras são minhas. Há que se ter sensibilidade para chegar à casa de alguém. Não dá para ir chegando sem respeito ao seu dono, impondo suas próprias regras de convivência, falando alto, achando que assim está sendo superlegal com quem está te recebendo. É como chegar numa pista de dança. Se você não tem know how para ir pro meião, chega devagar, fica no canto, toma a sopa quente pelas beiradas do prato fundo, não sai metendo a colher no meio do caldeirão, ou assim se queima a boca.

É difícil dosar esse limite quando a gente é meio Cazuza, meio ariano, daqueles que não pedem licença, arrombam a porta e entram sem pedir desculpas. Daqueles que não nascem, estreiam. Qual o limite da discrição, da anulação e da imposição de si mesmo? Quem tem essa medida? E se tem, quem disse que a sua receita é a mesma que a minha? De quantas doses de paciência, calma e equilíbrio são necessárias para não desandar? E o que adianta eu dizer?

Cada um aprendeu de um jeito, viu que dá certo assim ou assado… lembra da propaganda e da brincadeira? “Para um pouquinho, descansa um pouquinho, 250km… 250km, 250km… Para um pouquinho, descansa um pouquinho… 310km…”? Devagar se vai ao longe. Mas em quanto tempo você pretende fazê-lo?

A minha regra é essa, mas porque você irá cumpri-la? Depende de tempo e espaço, noção de si mesmo com relação a um raio de atuação. O limite pode ser imposto pela hierarquia, ou mesmo pelo respeito ao território. E ao próximo. No território livre das ruas há as leis, e mesmo assim cada um faz o que quer. Mas aqui dentro, não. Tem que avisar se vier, deixar a luz do sol entrar, o ar puro, a vida fluir. E se eu quiser ficar no escuro, problema meu.

Exemplo. Quando a gente vai visitar apartamentos para alugar, muitas vezes com o morador em casa, descobre o universo de cada um e, num olhar mais atento, até suas neuroses. Tem aquelas casas todas fechadas com blecaute, a senhora que se orgulha de seu velho armário embutido, a que aproveitou o espaço como você gostaria e aqueles lugares que, mal te abrem a porta, você tem vontade de dar meia-volta e descer as escadas correndo. São energias fluindo e cada um numa sintonia. Pode entrar, a casa é sua. Mas nem sempre.