24.06.2015 / Crônicas
Recomeçar é viver

Revirando o armário para a mudança, achou um saco com as fantasias de Carnaval. Estavam lá um collant preto bordado com paetês de ‘Garota do Fantástico’ (do tempo em que o dominical da Globo exibia umas mulheres na abertura), a odalisca com o chapeuzinho feito de caixa de Catupiry forrada com cetim azul e metaloide, a cabeça de burrinho da festa do colégio. “Mas como mamãe teve coragem de vestir isso em mim de novo, por que não me fantasiou de havaiana?”, perguntou para o irmão. “Não sei, mas sei que você odiou quando eles voltaram daquela segunda viagem de lua de mel e te trouxeram um burrinho de pelúcia”. “Pois é. Que fixação era essa da mamãe por burrinhos? Que menina ia gostar dessa fantasia esdrúxula marrom?”, perguntou. E riram muito.

Pensaram em como a infância pode ser divertida. Até as mágoas viram motivo de piada. “E quando eu tinha que fazer pesquisa do colégio? Naquele tempo não tinha Internet, a gente não tinha dinheiro para enciclopédia e eu colei uma foto de um prato de espaguete para representar uma lombriga no caderno?” Ele não se lembrava dessa, mas quase perdeu o ar de soluçar, de tanto chorar de rir: “Sabe o que isso me lembrou? Daquele seu namorado que na feira de Ciências gastou latas e mais latas de Pomarola para fazer as lavas da erupção de um vulcão. Que desperdício! E o cheiro depois?!” E não paravam mais de rir.

Lembrou de quando chamou o porteiro para matar um morcego que tinha conseguido prender no pano de chão: era uma pobre cigarra. E da amiga que viajou com eles e, no primeiro Natal fora de casa, foi apresentada de manhã ao porquinho que comeria mais tarde na ceia: era vegetariana. Saiu desesperada em busca de um orelhão no meio da montanha, foi telefonar para a mãe, que deu a notícia: seu hamster acabara de morrer. Meu Deus, era muita comédia para ser tragédia.

Saindo do trabalho, foi visitar o irmão. O táxi parou. Os anos, não. Estava agora diante do apartamento novo dele. Entrou. Viu tudo organizado de novo. Quadros na parede, luminárias acesas, tapetes no chão. Nada do saco de Carnaval, do caderno de pesquisas ou da cigarra amassada no chão. A vida tinha passado e a mãe não existia mais. Abriram um vinho, pediram uma pizza e começaram a contar todas essas histórias para os filhos que, com seus celulares a mão, mal podiam acreditar no que ouviam. Mas riram…