29.06.2015 / Crônicas
Sobre a corrupção

Tão bonitinha a menina falando na televisão que não queria se corromper. Gostaria de continuar sendo boa, humilde, dando importância aos valores que a mãe ensinou. Ela começava a realizar o sonho de seguir a idealizada profissão com uma oportunidade de emprego nos Emirados Árabes. Com aquela coragem do início da juventude, o conhecimento parco de quem estudou sobre o lugar em que viveria a partir dali — sem a vivência —, embarcou feliz, deixando a família toda aos prantos no aeroporto. Choravam de felicidade e saudade ao ver a mocinha partir.

Mexeu comigo, como era de se esperar de uma boa edição. O telespectador tem que ficar comovido com aquela lágrima em foco. É assim desde que aprenderam a fazer televisão. Mas mexeu de uma forma muito íntima. Fui direto à cena final do filme ‘Manhattan’, meu preferido do Woody Allen, que é o tempo todo sobre a perda da ingenuidade ao longo da vida, o quanto vamos ficando duros/irônicos/blasés/pedantes ao perder a ternura e encarar a vida ‘adulta’. A última frase do filme é bem semelhante à da moça que vi na TV, no aeroporto. “Nem todos se corrompem, você precisa acreditar nas pessoas”, diz a personagem antes do fim.

Para esses, os que ainda conservam a ingenuidade ao começar a desvendar o viver, tudo é possível dentro da bondade, da pureza, do desconhecimento, da ignorância da finitude. A fé é forte porque “a vida é longa”, então ela (no caso, a mocinha do filme) vai viajar, mas acredita que não vai mudar e poderá reencontrar seu amor (um homem bem mais velho) na volta. E a jovem do aeroporto também tem essa certeza: de que ela vai, mas volta, e seu caráter se conservará. Isso é tão bonito.

Difícil manter essa conduta. Há quem consiga pelo simples dom do bom caráter, há quem nunca tenha sentido isso e não se importa com o amadurecimento amargo, há quem queira se manter assim ingênuo e limpo, e para isso é preciso ter muita atenção em cada passo que você dá. E dispensar atenção a cada momento da vida é quase um transtorno obsessivo compulsivo, pouco possível, pois você pode vacilar sem perceber, numa simples tomada de cena, numa simples pisada de bola na avaliação. Coisa que irá perceber anos depois, mas já terá feito e pensará: quando foi que aquela menina ficou para trás? Onde seus sonhos se perderam no caminho, ou quando teve que se adaptar às situações para levar seus sonhos adiante?

É por isso que se diz que é importante conservar a criança dentro de nós. A que não foi tocada pela maldade, acredita em tudo, que “o impossível é um lugar que não existe” e “devagar se vai ao longe”. Sonho sim. Ser assim e que todos sejam.