24.06.2015 / Crônicas
Somos todos achistas

Todo dia por volta das 17h o pipoqueiro estaciona ali. Começa um movimento de saída do trabalho e volta para casa, um vaivém de pessoas, peculiar para quem não trabalha num horário convencional. A rotina da grande massa se repete. Observar o comum é curioso, é a desobrigação, o descompromisso com os horários do dia a dia. É ver a vida passar e não ter que se preocupar. Quando se sai de um contexto estressante para simplesmente ser inserido num outro, de fazer coisas completamente diferentes do dia a dia anterior, ter outras obrigações, ou apenas não fazer nada, quando se assume uma nova rotina, sente-se o prazer do desconhecido, por mais comum que esse desconhecido seja.

Saber da morte de um ator uma semana depois, ver as reprises dos mesmos programas, não ter ido à última festa, nem ter conhecido o último disco lançado amanhã na internet são ações libertadoras. É a preciosa calma da ignorância, o alívio dos aflitos. Obrigamo-nos a uma rotina de busca de conhecimento que nunca vai ter fim. Não em tempos de novas tecnologias evoluindo incessantemente. Obrigamo-nos a ler tudo, a ter opinião sobre tudo, quando muitas vezes não temos que ter opinião sobre nada. Entendemos de muita coisa mesmo que não façamos a menor ideia do que significa. Temos isso. Não se pode mais ficar em cima do muro, mesmo que essa seja sua opinião verdadeira. “Sou em cima do muro, não acho nada sobre este assunto, dá licença?”.

Não, não damos licença. Com smartphone, TV a cabo e internet, você tem que saber falar sobre a Síria, sobre o último protesto no Rio, e não, nem pensar você tomar um partido que não seja o da grande maioria no Facebook, ou vai ser linchado. Além de entender do que se passa, tem que achar o certo. Pense diferente e estará relegado ao segundo plano.

Sem percebermos, tornamo-nos os reis dos pré-julgamentos. Condenamos antes de saber quem é o culpado, porque o culpado é aquele para quem todos apontam o dedo. Na ânsia de sabermos tudo e sempre mais, permitimo-nos conhecer cada vez menos. Apenas somos grandes achistas, o conhecimento verdadeiro caiu em desuso.

Quando um amigo meu falou que a vida dele eram os filhos, que descobriu que gostava de ir a óperas e por isso o fazia com frequência, já que vive num país em que a programação do gênero é farta, determinei que a vida dele era simples demais. Ele, pouco ambicioso. Errei. O que pode se ambicionar mais do que viver bem, fazendo o que gosta, cercado por quem você ama?

Na ocasião, ele também me disse que, como sua profissão permitia, tinha aberto mão de ficar por dentro dos noticiários e agora só lia o que realmente o interessava. Parabéns para ele, de verdade.Devíamos, todos, baixar a bola em busca da nossa ilha da fantasia. Pois ela ser real depende muito de nós mesmos. Humildade é o caminho do aprendizado.