24.06.2015 / Crônicas
Tem gente

Eram três na mesa ao lado. “Nesses mais de 30 anos como geriatra, sempre digo para os meus pacientes: o que dá longevidade é a felicidade. Não se concentre em arrastar âncoras, na vida nós temos que carregar baloes”, ele disse. Uma delas já tinha ouvido dele a frase e concordou, olhos brilhando. A outra se emoconou: “Nossa, que lindo, só conhecia a frase da âncora”. E seguiram a conversa falando de dois tipos de pessoas: as alegres e as tristes.

As tristes não são assim somente em casos de motivos de tristeza, mas em tudo buscam a infelicidade. Estao sempre cansadas, reclamando, esperando o pior. As alegres conseguem quase tudo, atraem pessoas de um modo bom, vencem a tristeza. “O que nos atraiu a você foi a sua alegria”, ele disse. “Obrigada, mas hoje me considero triste. Não exatamente triste, mas não tenho mais tantas ilusões. Eu sei, vocês sabem né?, depois de certa idade a gente vai perdendo as ilusões, vai vendo que o mundo não é tão fofinho assim, que as coisas ruins existem, que pessoas escrotas e infelizes estao sempre dispostas a atrapalhar seu dia e por aî vai… Então, digamos, deixei a `pollyanice` de lado, mesmo, e isso me deixou distante da alegria”. “Você é que pensa, a tudo você responde com um sorriso”, cortou ela. “Na viagem, ele sempre falava: cadê aquela brasileira, vamos encontrar com ela, chamá-la para conversar, beber com a gente. E eu falava: `mas ela se esconde`…”. E riram.

Estava tão interessante o papo que não tinha como não prestar atenção. A moça ficou surpresa: “Eu não me escondia, é como eu disse. Eu não quero mais conhecer muitas pessoas. Eu quero, mas tento não dar muita intimidade, porque não quero me decepcionar. É só uma forma de me proteger”. A amiga, bem mais velha apesar da aparência saudável e jovial, foi enfática de novo: “Você é que pensa. Você é desprotegida e aberta, é o seu jeito de ser”. E os três começaram a rir e chorar, momento arco-íris, chuva e sol. Beberam mais champanhe. “Olha, alegria é um dom. Mesmo que você não queira, nem você mesma pode se afastar dela, porque está no seu interior e sempre vai aparecer como um novo dia”.

Roubamos o assunto da mesa ao lado e começamos a falar sobre o tema e sobre o quanto é difícil se relacionar, todos fechados em suas conchas. Rimos lembrando da ironia da Senhora dos Absurdos, personagem do ator Paulo Gustavo no `220 volts`. Outro dia falou mais ou menos o seguinte: “Ué gente, conviver é fácil. Eu convivo aqui, você convive ali e fica tudo certo”. Mas nem sempre dá… Dá? “Você é que pensa”.