A descoberta da pólvora: “Hoje em dia, tenho a impressão de que a tecnologia acelerou muito o que faríamos em um dia. Com telefone, Internet, smartphone, a gente resolve tudo o tempo todo. Então, o que levaríamos um mês para fazer, levamos um dia. Ficou tudo frenético. Antigamente, você tinha que ter a ficha do orelhão. E ainda tinha que dar a sorte de encontrar um orelhão funcionando. Resolvia o assunto logo, pois o tempo acabava e a ficha caía. Mas nem tudo era assunto para telefone. Então as pessoas tinham tempo de refletir”. A mulher, de seus 65 anos, estava sendo sincera.
A outra se permitiu apenas um minuto, mas nem continuou a conversa. “Que triste, né? Outro dia mesmo ele estava vivo, mas agora morreu. Que coisa. Nem troquei uma palavra quando nos vimos da última vez, eu estava voando para um compromisso. Aliás, daqui a pouco tenho que ir. Nem vou entrar para ver o corpo no caixão. Ai, sabe que detesto essas coisas?!” Vira-se para mim: “Tem um espelho? Não quero parecer abatida para os outros. Obrigada, beijinho!” Oi, eu estou aqui, não sou uma tela de computador. Me dá um beijo, não precisa mandar beijo pro ar. Não aprendeu nada até o velório de hoje?
Algumas cenas acontecem na vida e deixam a impressão de que você levou um soco. Foi rápido, você só teve tempo de segurar o queixo enquanto viu o agressor fugir. Passou ventando. É como quando um copo cai: ele parece cair em câmera lenta até você ver o resultado da queda. Às vezes, uma quedinha de nada e o copo se espatifa. Noutras, o estrago era certo, mas o copo termina intacto para nossa surpresa e alívio.
As pessoas estão perdendo a classe e patinando num lago congelado, achando que estão fluindo, sem perceber que um buraco pode se abrir a qualquer momento sob seus pés, sendo que não é essa a profundidade que procuram. Bastava serem um pouco mais atenciosas. Afinal, que pena que ele estava vivo e morreu. Condição para morrer é estar vivo, lembra? Claro que não. Você detesta este assunto, não vai perder seu tempo precioso com isso.
Já pensou na duração de um carinho? É rápido, mas dura muito, pode durar anos. Os minutos que você levou ouvindo, os que levou respondendo, a vez que parou para dar uma informação na rua… A gente sempre vai se deparar com quem não responde o “bom dia”, mas pelo menos vai se ouvir. É claro que é muito fácil perder a paciência. Até com as menores demonstrações de desatenção. “Boa noite”, falei para a caixa do supermercado. “Boa noite”, respondeu o amigo que estava comigo. E rimos. “Notou que falamos boa noite um para o outro?”, ele perguntou. E a caixa muda, diante da nossa ironia. Que mau amor, ignorar os outros. Viver superficialmente assim é mole.