29.06.2015 / Crônicas
Tempo e espaço

Livros que compramos para um dia poder ler; horas de sono que queremos ter seguidas, mas que não há como armazenar; a condição climática de todo outubro a essa época – de constante mormaço, num pré-compasso para os dias quentes que virão; aquela horinha da manhā em que é preciso coragem para pegar fôlego de enfrentar o dia; a tristeza de quando o sol se põe, o azul é escuro no céu, mas ainda é azul, do sufocamento do entardecer. Condições ligadas a tempo e espaço, que enchem seus dias de memórias e preenchem sua vida.

Associamos um tempo a uma memória, como fazemos com perfumes. Às vezes, é possivel sentir o tempo na garganta – ou a falta dele. Está diretamente ligado a respiração, a tomar ar, a realmente sentir o ar entrando para depois expeli-lo. Viver é um constante tomar fôlego e tentar ganhar… tempo. Podemos nos aliviar, considerando dividir o dia em 24 horas, e listar para trás da manhã o que fizemos desde a meia-noite. Provavelmente dormimos, o que tambem é ganho de tempo. Se ficamos acordados, seja dançando, bebendo, saindo, conversando ou refletindo, queremos repor o tempo dormindo. Sono e tempo, sono para ganhar tempo, fôlego para despertar mais horas.

Tempo que nunca sobra, mesmo quando o temos. Pensamos o que podemos fazer com ele. Ler os livros comprados ao longo dos anos e citados no início deste texto? Eles esperam pacientes uma aposentadoria. O meio do mato, para serem degustados à sombra. E quando esse dia chegar, terei tempo? Ou ele estará destinado a cuidar do mato em volta da cena sonhada no campo, com rede para deitar e ler os livros? As histórias terāo envelhecido? Ou serão ficções atemporais?

Tempo. Que alugamos aos nossos ofícios em troca de dinheiro, para podermos viver com sobra de ar, para poder… comprar. Comprar o modo de viver do nosso tempo, quando tempo é dinheiro. Você aluga o seu por quanto? E a relação custo-benefício faz sentido?

Aprendemos a viver sem tempo, embora ele passe por nós sem esperar, nāo pode parar, nāo adianta quebrar o relógio e congelar as horas. O sono é o de agora, as horas de mormaço sufocam, mas sāo horas; a hora de acordar é difícil, mas necessária, pois sem o despertar não se vive. Coragem. Porque o despertar é o combustível para o futuro chegar logo. E com ele mais tempo.

Não se pode parar.