19.06.2015 / Crônicas
Eu amo garçom

Uma das cenas mais bonitas, para mim, é ver um garçom no exercício de sua profissão. Não estou dizendo uma pessoa que arranjou um bico e joga uma coisa na sua frente, mas aquela com dom e talento para servir. Que observa seus gostos, já sabe como é a sua água, sem que você precise dizer “natural, normal, sem gás, sem gelo no copo, sem estar gelada” para entender que você só precisa matar a sede, na temperatura do filtro.

Já com meus 18 anos, eu gostava tanto do senhor que era garçom no bar que eu frequentava que, num ímpeto adolescente, dei dois beijinhos e o abracei ao chegar, ao vê-lo de braços abertos, gravata borboleta impecável. Gosto da maneira como a pessoa se comporta, de como fica atenta ao seu desejo. Dos que dispensam os iPads comuns nos restaurantes hoje e trazem à mesa, certinho, o seu bife, seja ele ao ponto, mal ou bem passado.

É o que tenta fazer-lhe companhia enquanto vê que espera alguém, sem ser inconveniente. Você dá um gole na cerveja e ele, fingindo-se distraído, conta que tem uma coleção de discos antigos em casa. Num restaurante discreto, comunica-se com outro num piscar de olhos e, em fração de segundos, sua taça já está completa. Não é preciso levantar a mão, fazer mímica. Ele está lá, perfeito homem invisível, super-herói da sua refeição. Se o garfo cai, praticamente passa a mão na sua cabeça, ora, isso acontece.

Em todos os Dias das Mães, íamos sempre ao mesmo restaurante. Rodrigues reservava a mesa no canto, chegávamos mais tarde para não pegar fila. Acompanhou namoros, a gravidez da minha irmã, o nascimento do meu sobrinho, para quem sempre dava bolinhas de carne do couvert (a mais) como distração. Mamãe ficava feliz com o encontro em família e saía toda prosa com sua rosinha vermelha dada pelo fiel garçom. Ela adoeceu, passamos para a varanda e, no penúltimo ano, ao chegarmos com a cadeira de rodas, já estava tudo preparado para nos receber.

Para não passar em branco no ano seguinte, na mesma data, na hora do almoço, passei com ela na calçada do outro lado da rua, bem devagarinho. Rodrigues nos viu e foi nos buscar. “Mamãe não está mais comendo”, expliquei. “Só viemos relembrar”. Mas não houve jeito: ele nos estacionou, eu e mamãe sobre rodas, debaixo da barraca do ‘valet parking’. Trouxe-nos duas taças de champanhe, o brinde do restaurante naquele ano, no meio da rua: “Mas ela pode beber e eu não posso ficar sem a minha tradição. Vocês salvam o meu ofício da extinção”.