18.06.2015 / Crônicas
Não conte

Conta comigo. Quantas vezes você ouviu essas duas palavras juntas e elas te confortaram tanto a ponto de fazê-lo acreditar no fim dos problemas? “Olha, querida”, disse, olhando nos olhos da vizinha: “Conta comigo”.

No dia em que estava com o filho pequeno no carro, num domingo à noite, e a gasolina tinha chegado ao fim, conseguiu parar um outro carro fazendo sinal de carona no escuro e o motorista, vendo-a na chuva, rua vazia, com aquela criança, deu um jeito de passar um pouco de combustível para o carro da estranha. Assim, ela chegou até o prédio com o menino. Se deu conta de que, depois de todo o sufoco, tinha perdido a chave. E agora? Nem um real na carteira, se estivesse sozinha ainda podia dormir na escada.

Lembrou da fala da vizinha e foi até o andar dela. A porta se abriu, com a corrente impedindo uma abertura maior, e pela fresta a mulher olhou assustada: “Você por aqui?”. Sem graça, mas necessitada, ela disse: “Está chovendo, ele já está com fome e frio, estou sem dinheiro, fiquei sem gasolina e, para piorar, perdi a chave. Desculpe, mas será que você pode me ajudar?”. A vizinha saiu, voltou o marido: “Toma”, e entregou para a moça um pedaço de arame, fechando a porta em seguida.

Dia desses, foi a madrinha, três meses depois do enterro de sua irmã, que resolveu ligar para o sobrinho-afilhado: “Oi, tudo bem? Não me senti à vontade para telefonar antes, mas queria te dizer, com toda sinceridade, que pode contar comigo”. Comovido, o rapaz respondeu: “Tenho me sentido sozinho, será que a gente pode se encontrar?”. Do outro lado, a voz tremeu: “Ah, anda um pouco complicado. Mas para o que precisar, estou aqui”.

Não sei você, leitor, mas esse papo de “amanhã cê vai lá ontem” não dá mais. Fala-se da boca para fora alguma frase de efeito que, na prática, é o mesmo que nada. É bonito virar para alguém e falar: “Conta comigo”. Mas com quem podemos realmente contar? E o quanto estamos dispostos a estar disponíveis? Onde está escrito (precisa protocolo?) o que se deve fazer e como se deve agir quando a gente realmente precisa? Porque não são raras as vezes em que quem um dia disse que estaria ali tem coisa mais importante para fazer na hora H.

É só diplomacia boba, charme egocêntrico. Eu disse “conta comigo” e queria que ela realmente contasse. E quando ela me disse do que precisava, nem percebi e fiz como os outros. Por quê? Falar e agir deveriam ser sinônimos.