18.06.2015 / Crônicas
Noite preciosa

Acordavam cedo com os galos. Lá fora era frio e a grama estava coberta de orvalho. Na cama, sem aquecedor, pois era necessário desligar o gás para não botar fogo nas cobertas, as duas meninas estavam embrulhadas em cobertores: fazia de 0 a 5 graus e na posição que deitavam para dormir, acordavam. A mãe e a tia as embrulhavam ao mesmo tempo, numa espécie de brincadeira, e prendiam as duas dentro das mantas felpudas. Eram degradès: uma de azul turquesa a marinho; outra de bege a marrom.

O cheiro de bolo subia pelas escadas de madeira e elas pensavam: mas ainda é noite. Vinha aquele cheiro de fritura seguido de aroma de canela com açúcar. Nem viravam para o lado, o colchão era gelado, e aquela fumacinha ia acalentando a alma. Como num passe de mágica, de dentro para fora, o corpo ficava quentinho a ponto de romper o envelope em que estavam metidas. Saltavam da cama animadas. Na porta entreaberta do sótão, o sol nascia, com tonalidades que iam do verde água ao laranja. Era tudo de madeira por dentro e a janelinha do sótão não abria. Era de vidro com uma especie de cruz de madeira, pintada de vermelho. Vendo os primeiros raios, a esperança enchia o peito e fazia mexer a língua como água na boca. O orvalho escorria da janela molhada e lá fora já era dia. Desciam desembestadas.

Todos já estavam com suas funções, ninguém notava muito bem o olhar das crianças. “Meninas, façam companhia pra vovó, que acordou antes das galinhas para começar a preparar a ceia!”. E a avó, em sua primeira pausa, mergulhava o pão quentinho com manteiga no café com leite, como sopa. As meninas eram mantidas ocupadas o dia inteiro: passeio a cavalo, patinação no gelo, banho, descanso e se arrumar para a festa. Enquanto isso, os adultos já começavam a beber, o pernil assava no forno, e depois o peru, que ganhava injeções de manteiga com ervas – o tio cuidava desse meticuloso detalhe para o peru não ficar seco.

À noite, uma festa era armada, com whisky, vinho, música e conversas boas sobre a vida jogadas fora. Natal era isso. Natal é isso: a comunhão de pessoas num sentimento de harmonia, em volta da mesa, querendo estar juntas por prazer e não por obrigação. Por isso hoje nao brigue com aquele parente distante por um assunto que ficou intocado um ano, não discuta com o marido para ficar cinco minutos na casa de cada mãe, não dispute uma receita, dizendo que sabe fazer melhor. Apenas beba, coma, aprecie, olhe, ame. Porque quando chegar amanhã, hoje nao existirá mais. Neste Natal, não perca seu tempo.