18.06.2015 / Crônicas
Quando o amor termina

Cheguei tarde e vi aquele homem parado na esquina. Estranho, pensei. O que faz ali? Subi, peguei o cachorro para dar uma volta. Rodei o quarteirão e lá estava o sujeito: parado no escuro, embaixo de uma árvore pequena de galhos finos. Mudei o caminho para ele não me ver entrando no prédio. E se for um sequestrador? Dinheiro não tenho, mas sei lá…

Dei a volta pela rua de trás, passando pelo bar, cheio. Encontrei um casal, me distraí e entrei no edifício. Li umas correspondências, só burocracias, pois infelizmente ninguém mais manda cartas. Lembrei do homem e fui até a janela. Estranho, ainda lá, já passa da meia-noite. Será que chamo a polícia? “Sabe o cara que te falei? Ainda está ali”, denunciei, com suspense. Meu marido: “Está falando no celular com uma tulipa vazia na mão desde que você saiu. Não sei como não acabou a bateria”. E, tranquilo, foi dormir, não dando a mínima para a minha desconfiança.

Sentindo-me menosprezada na minha investigação, fui até a cozinha. Olhei o cachorro, ele me olhou, lembrei do homem. Será que está lá? Já devem ter passado umas duas horas. Do tempo que meus amigos saltaram do taxi no bar até agora, quantos chopes devem ter bebido?, e o homem ainda aqui?! Apaguei as luzes. Agora, perto da janela, ele não poderia me ver.

Olhei pelo vidro por cima das plantas. Ele se mexeu. Vi que estava ao telefone, abaixei a cabeça na altura dos vasos e encostei o ouvido na fresta da janela. Ele desesperado: “Fala comigo direito. Cada hora uma desculpa! Você vai fazer isso comigo? Tem certeza que vai fazer isso comigo??!!!” Ih, é mulher, pensei, aliviada. Não vai assaltar o prédio. “Maria, não faz isso comigo. Você vai largar o apartamento? Vo-cê vai lar-gar o a-par-ta-men-to? O quê? Vai ficar nessa piranhagem?”, ele se exaltava. Cada vez que explodia, a ligação caía. Obviamente era ela, a Maria, desligando. Coitado. O que eu digo pra este homem? “Alô, Maria, fala comigo, você não pode fazer isso… O quê? Como é que é? Por favor! Meu Deus! Você jura que vai fazer isso? Maria!!!”. Fiquei tensa e resolvi não invadir mais a privacidade dele. Até pensei em abrir a janela e falar: “Moço, aqui mora gente”. Mas ele estava uma pilha. Saí. Ouvi um grito desesperado. Corri pra janela preocupada. Sumiu.

Fui tomar banho pensando no quanto o amor é urgente. No desespero que é terminar um namoro, perder alguém, como se te faltasse ar e você virasse irracional. Queria ter dito para ele desligar, que poderia ficar no telefone até amanhecer e não seria ouvido. Era melhor não apelar, não xingar, passar uma noite dormida. Por que não foi até a casa dela? Quando a relação acaba contra o nosso desejo, a gente acorda mais cedo que o despertador. Por um momento dá alívio, você imagina que só sonhou, nada daquilo aconteceu. Mas é verdade e vem o desespero. Vontade de correr atrás, ter alguém para te segurar pela roupa antes que você se jogue pela janela… a vida acabou. Mas não. Uma hora o coração acalma e a paz volta… ao amar de novo. É só respirar e esperar. Que chega.