19.06.2015 / Crônicas
Quer voar?

Encostada na janela, olhando para o céu branco lá fora, fechou os olhos para sentir melhor a brisa do vento no rosto e sentiu quando ele se aproximou. “Eu vi quando você pulou”, ele disse. “Ao saltar, suas asas abriram e em instantes você estava sobrevoando a cidade como se ela fosse plana, vendo tudo de cima, de uma distância segura. Tudo ficou até no mesmo tom para você, que eu vi. Eu queria enxergar assim também, mas como eu não estava voando, eu não conseguia. Às vezes, apareciam flashes do seu rosto para mim e eu podia sentir a sua sensação de paz, como se tivesse deixado tudo para trás. Você fechava os olhos e sentia a brisa, como eu vi você fazendo agora”. Virou-se para ele, deixando a vista da janela para trás, interrompendo: “Mas isso foi o meu sonho. Você estava lá?”

A paz de espírito do voo, planar, olhar tudo como se fosse um desenho colorido distante, é o sonho do homem. Voar de asa-delta, saltar de paraquedas, etc… dão sensação de liberdade, mas acabam rápido. Para escalar uma montanha e chegar lá no topo como os alpinistas também dá trabalho; no avião, a gente é obrigado a fechar a janela (mas eu não, adoro ver o dia nascer do céu e ver um mundo só meu, ainda que daquela minúscula janelinha). Não dá para voar. Frustração, né, homem? Mas temos as nossas limitações, este sonho desde Ícaro já se sabe que não será possível realizar.

Tudo o que a gente queria às vezes, mas não, não vai dar. Capacidade de abstração também não é para qualquer um. Mais engraçado ainda quando você começa a olhar a boca da pessoa se mexendo e não está ouvindo mais nada, você vê e sua alma voa longe, você está ali de interlocutor, mas a pessoa não quer te ouvir, só quer falar, falar, blablablá. E você deixa que façam seu ouvido de penico para ver se a pessoa se acalma e com isso você voa. Problemas de todos os dias, parece que também fazem assim conosco, pois cada um só acorda quando pisam no seu próprio pé.

Alienar-se? Até esse verbo e pergunta me soam datados. Hoje, com os cientistas tentando chegar mais perto do que se pode ser a telepatia, como pesquisas mostraram na última semana, está cada vez mais difícil se alienar. Só quem quer mesmo. E com isso vai-se criando um bando de pessoas conectadas alienadas. Cada vez mais no foco do seu próprio canal, ligadas na frequência de suas próprias ondas, sozinhas, distantes, perdidas. Não poderiam dar um único voo solo, pois não enxergam o horizonte diante do nariz.

Olhar para dentro para olhar mais para fora: este é o meu pensamento do dia.