19.06.2015 / Crônicas

Uma das cenas mais bonitas, para mim, é ver um garçom no exercício de sua profissão. Não estou dizendo uma pessoa que arranjou um bico e joga uma coisa na sua frente, mas aquela com dom e talento para servir. Que observa seus gostos, já sabe como é a sua água, sem que você precise dizer “natural, normal, sem gás, sem gelo no copo, sem estar gelada” para entender que você só precisa matar a sede, na temperatura do filtro. Já com meus 18 anos, eu gostava tanto do senhor que era garçom no bar que eu frequentava que, num ímpeto adolescente, dei dois beijinhos e o abracei ao c...[continuar lendo]

19.06.2015 / Crônicas

Sempre amei demais, mas nunca sequer fui capaz de mensurar o que é amor de mãe. É sentimento e vivência que só experimentando para saber. Nao é como tudo na vida, pois sobre algumas coisas pode-se ter uma ideia bem real sem ter a experiência, com suposições, comparações, vendo fotos e vídeos... O amor de mãe começa na notícia da gravidez e nasce com o filho com a força de um parto, no ritmo da dor e das contrações, profundas e ritmadas, cada vez mais intensas e menos espaçadas, urgente. Quando se conhece o rostinho do seu bebê, explode em forma de choro festivo, com for...[continuar lendo]

19.06.2015 / Crônicas

Pode entrar, a casa é sua, mas aqui as regras são minhas. Há que se ter sensibilidade para chegar à casa de alguém. Não dá para ir chegando sem respeito ao seu dono, impondo suas próprias regras de convivência, falando alto, achando que assim está sendo superlegal com quem está te recebendo. É como chegar numa pista de dança. Se você não tem know how para ir pro meião, chega devagar, fica no canto, toma a sopa quente pelas beiradas do prato fundo, não sai metendo a colher no meio do caldeirão, ou assim se queima a boca. É difícil dosar esse limite quando a gente é meio ...[continuar lendo]

19.06.2015 / Crônicas

Ela temperava os bifinhos de alcatra bem devagar. De um lado: pitada de sal, pimenta do reino e shoyo. Virava as carnes e repetia o procedimento. Na hora de fritar, era com manteiga fervente. Um pouquinho de cada lado. Ia dispondo um a um na travessa. No fim, escorria o caldinho da frigideira sobre os bifes e levava à mesa. O arroz também era feito meticulosamente igual todos os dias, na panela de ferro. Para a quantidade de arroz, a mesma quantidade visual de água fervente: dois dedos de arroz, dois dedos d’água acima do nível do arroz. Mas não sem antes refogá-lo com cebola batid...[continuar lendo]

19.06.2015 / Crônicas

No restaurante a quilo, vários personagens e uma coisa em comum: mal prestam atenção no que botam pra dentro da boca com o garfo e encontram companhia no almoço pelo celular. Seguram o talher com uma mão e na outra teclam animadamente. O rapaz bonito usa uma camisa preta de malha sem mangas, amarrou o cabelo num rabo de cavalo, mas não está brega. E tem um quê de Don Juan de Marco, de Johnny Depp, no filme de mesmo nome. Está quase entrando pelo telefone e digita sem parar até terminar a comida. A feiosa magrela tem pinta de intelectual e fica até bela. A inteligência salva o...[continuar lendo]

19.06.2015 / Crônicas

A palavra que dá título a este texto parece um verbete em desuso, uma palavra antiga, daquelas ditas por nossos avós. Interessante observar como até seu som parece ultrapassado, datado. E o quanto isso é elemento para traçar um paralelo com sua força (fraqueza?) semântica nos dias de hoje. Ser cordial está démodé? Ou, para usar uma expressão atual, é old-fashioned? Ou seja, saiu de moda? Ser cordial será, sempre, avant-garde, vanguarda, à frente de nosso tempo, bonito, ousado. Sim, pois é ousado, num mundo com tanta descortesia, insistirmos na beleza ritual da cordialidade. ...[continuar lendo]

19.06.2015 / Crônicas

Já se vão 20 anos desde que o cineasta Joel Schumacher lançou ‘Um Dia de Fúria’, com Michael Douglas. O nome em português virou expressão. O original, ‘Falling Down’, exprime a decadência de um homem, que em seu limite resolve deixar de lado a boa vontade com tudo que atrapalha seu caminho e que está errado, e sai atirando em geral. Não dá para negar, sem querer incitar a violência, que em alguns dias é preciso uma dose ‘extralarge’ de paciência para poder lidar com tudo o que está fora da ordem, cada vez mais, na rotina do nosso Rio de Janeiro. Para manter a educa...[continuar lendo]

19.06.2015 / Crônicas

Uma vez, na faculdade, o professor de Filosofia falou que adorava varrer a casa, porque ia olhando o pó, o que ia varrendo pelo chão, e se pegava pensando em cada montinho de poeira como se fosse um indivíduo e ali ia reunindo pessoas e vendo o quanto são diferentes. Ele estava se abrindo, embora pouca gente da turma tenha captado a mensagem. De repente, estavam reunidas na pá e, pow, voavam para a lata de lixo. Todos com o mesmo fim e existência semelhante. Quando a gente se pega na mesma situação que estranhos — não se destaca porque todos são iguais e estão na mesma condiç...[continuar lendo]

19.06.2015 / Crônicas

Eu tinha uns 13/14 anos, fazia teatro e achava supercool gostar de Oswaldo Montenegro, que se apresentava com sua trupe lá perto de casa. Ele estava no auge de seus 30 anos e, antes de subir ao palco, tomava cerveja com umas mulheres igualmente lindas na padaria da esquina. Eu me oferecia para ir dez vezes comprar algo para minha mãe: pão, cigarro... É, no tempo da minha adolescência, não era politicamente incorreto explorar o filho e mandá-lo trazer coisas proibidas para menores, como um maço de Hollywood, na época também “o sucesso”. Tanto fiz que consegui ir a um desses sho...[continuar lendo]

19.06.2015 / Crônicas

Todos nascemos com um limite intransponível: a morte. Mas se vivêssemos pensando nele, nada realizaríamos. Quando minha mãe foi diagnosticada com uma doença degenerativa, por anos não aceitávamos aquela condição. Entrávamos e saíamos de consultórios, num deles já sendo conduzidas à porta, ao ouvir do médico: “Vocês entendem mais da doença da sua mãe que eu, sendo assim não posso ajudá-las”. Eu e minha irmã olhamos mamãe sentada na cadeira de rodas, era noite, estávamos no meio da rua. Mamãe olhando para o além e as filhas prestes a começar a brigar. Não havia sol...[continuar lendo]