18.06.2015 / Crônicas

Ouvi boatos de que o mundo ia acabar, mas estava muito sem tempo para dar atenção a isso. Ah é? O mundo vai acabar? Bom, se acabar a gente não vai nem saber, porque será o fim mesmo e pronto. A trombada será grande e todos vão sumir em segundos, não vai nem doer. “Ué, mas o mundo não acaba diariamente para centenas de pessoas?” Supondo que hoje seja meu último dia, o que eu faria? “Agora já sentamos aqui. Mas você pode pedir o que quiser. Vamos de filé à Oswaldo Aranha?” “Filé à Oswaldo Aranha? Mas vem com farofa de ovo?” “Não, farofa simples. Quer pedir faro...[continuar lendo]

18.06.2015 / Crônicas

Acordavam cedo com os galos. Lá fora era frio e a grama estava coberta de orvalho. Na cama, sem aquecedor, pois era necessário desligar o gás para não botar fogo nas cobertas, as duas meninas estavam embrulhadas em cobertores: fazia de 0 a 5 graus e na posição que deitavam para dormir, acordavam. A mãe e a tia as embrulhavam ao mesmo tempo, numa espécie de brincadeira, e prendiam as duas dentro das mantas felpudas. Eram degradès: uma de azul turquesa a marinho; outra de bege a marrom. O cheiro de bolo subia pelas escadas de madeira e elas pensavam: mas ainda é noite. Vinha aquele ...[continuar lendo]

18.06.2015 / Crônicas

As coisas podiam ser mais simples. Sem medo, sem acontecimentos inesperados, sem narrações tensas quando só queremos um pouco de música suave. Poderiam não nos perturbar e, em troca, nós não perturbaríamos também. Não diríamos coisas negativas, não entraríamos nas pilhas erradas, não encontraríamos aquele amigo que adora ouvir as nossas reclamações quando a gente quer reclamar. Não choraríamos com facilidade diante da fila do Into, não precisaríamos falar frases idiotas como “o pior é que as pessoas na fila têm problemas de locomoção” (para não levar um fora em...[continuar lendo]

18.06.2015 / Crônicas

Sonhei que estava com amigos naquelas praias que a gente anda quilômetros mar adentro e continua com a água pela cintura. Poderia ser a Lagoa de Araruama nos áureos tempos, mas era uma dessas praias paradisíacas do Taiti. E o melhor: tinha um deque compridão, onde apoiávamos muito luxo e riqueza. Champanhe, flores tropicais, uma barraca bem linda e branca que nos dava sombra. Também tinha muitas frutas coloridas. Sim, fruta é luxo. Na viagem ao Catar, Oriente Médio, a trabalho, no hotel cinco estrelas, faziam parte da decoração do quarto três pequenos quadrados de aço escovado ...[continuar lendo]

18.06.2015 / Crônicas

Existe amor ruim? Dizem que sim, quando faz mal, as pessoas brigam, cobram serem amadas, acordam com o coração palpitante, não conseguem ser atendidas pela outra, vasculham o celular ou estão sempre atrás de pistas de que aquela pessoa não as ama. Quando você se doa e não recebe de volta — porque sim, salvo raras exceções, todo mundo que dá quer receber — abala. Inclusive eu sou adepta da Oração de São Francisco e acredito que é dando que se recebe, por isso procuro amar e fazer o bem, mas é mentira se eu disser que não espero retorno. Isso me torna menos nobre? Tudo bem. ...[continuar lendo]

18.06.2015 / Crônicas

Meu mundo por um café com leite, pensou, desejando muito sentir o cheirinho do café fresco e dosar a medida exata de leite para chegar na cor que a satisfaz. Mas, naquela semana, Dora resolveu pegar leve — nem café com leite podia. Foi checar o Facebook e logo viu um post do amigo Fabiano: “Tem alguém berrando o amor de madrugada nos bares? Ou está todo mundo acordando cedo pra tomar suco ‘detox’?”. Vinda de um fim de semana de excessos, de amor berrando e corpo desenferrujando, olhou para o copo de refresco de abacaxi, hortelã e chia, a semente ...[continuar lendo]

18.06.2015 / Crônicas

Cheguei tarde e vi aquele homem parado na esquina. Estranho, pensei. O que faz ali? Subi, peguei o cachorro para dar uma volta. Rodei o quarteirão e lá estava o sujeito: parado no escuro, embaixo de uma árvore pequena de galhos finos. Mudei o caminho para ele não me ver entrando no prédio. E se for um sequestrador? Dinheiro não tenho, mas sei lá... Dei a volta pela rua de trás, passando pelo bar, cheio. Encontrei um casal, me distraí e entrei no edifício. Li umas correspondências, só burocracias, pois infelizmente ninguém mais manda cartas. Lembrei do homem e fui até a janela....[continuar lendo]

18.06.2015 / Crônicas

Às vezes, admiro a camaradagem masculina e não entendo por que as mulheres não perceberam há tempos que é muito melhor saber conviver com as diferenças e admirar outras mulheres também. Como naquele velho anúncio em que dois rapazes se encontram e falam mal um do outro frente a frente e, quando se despedem, pensam: “Adoro esse cara!”. Já as mulheres, quando se encontram, trocam mil elogios e viram as costas pensando: “Nossa, como ela está gorda!”. Era mais ou menos assim a essência do comercial, que já faz parte dos contos populares. Os homens são menos profundos e mesm...[continuar lendo]

18.06.2015 / Crônicas

Sem maldade e com expectativa. Assim aquele olhar lhe sorriu, mudando a forma de encarar o começo da caminhada, fazendo com que se percebesse tão equivocadamente neutra diante da vida. No caminho batido de terra clara, a visão a seguir foram flores amarelas, emolduradas por árvores em muitos tons de verde, com folhas de várias texturas e aromas. O dia não estava nem claro nem escuro, e o colorido no chão se mesclou em sensação com o olhar puro que cruzou seu horizonte. Não era nada, nunca mais se lembrariam do rosto um do outro. Não fosse, para a moça, o que aqueles olhos fel...[continuar lendo]

18.06.2015 / Crônicas

Conta comigo. Quantas vezes você ouviu essas duas palavras juntas e elas te confortaram tanto a ponto de fazê-lo acreditar no fim dos problemas? “Olha, querida”, disse, olhando nos olhos da vizinha: “Conta comigo”. No dia em que estava com o filho pequeno no carro, num domingo à noite, e a gasolina tinha chegado ao fim, conseguiu parar um outro carro fazendo sinal de carona no escuro e o motorista, vendo-a na chuva, rua vazia, com aquela criança, deu um jeito de passar um pouco de combustível para o carro da estranha. Assim, ela chegou até o prédio com o menino. Se deu conta ...[continuar lendo]